“Todo investimento inteligente é investimento em valor.”

Por: Douglas Fuck / Sócio e Diretor na RG – Brand as a Business

Durante a pandemia, mergulhei em um livro que não me ensinou fórmulas para enriquecer, mas me ensinou a pensar com mais clareza. The Art of Value Investing, de John Heins e Whitney Tilson, não é um manual de mercado. É uma coletânea de ideias, experiências e pontos de vista de alguns dos investidores mais respeitados do mundo — reunidos por uma filosofia comum: pensar devagar, agir com convicção e manter a serenidade mesmo quando tudo ao redor parece exigir pressa.

Logo na introdução, os autores citam uma frase definitiva de Charlie Munger, lendário parceiro de Warren Buffett, que faleceu em 2023 aos 99 anos:

“Todo investimento inteligente é investimento em valor.”

Essa frase não é provocação, nem exagero. Ela é um lembrete. O que Munger queria dizer é simples: qualquer decisão de investimento sensata parte de um princípio básico — pagar menos do que algo vale. Pode ser uma ação, uma empresa, um imóvel, uma ideia de negócio. Se há coerência entre preço e valor, há racionalidade. Se não há, o que existe é aposta. E, como Munger também costumava dizer, apostar não é pecado — desde que você entenda que está apostando.

O livro parte desse princípio e o trata com a naturalidade que ele merece. Não se trata de apresentar uma fórmula mágica, mas de revelar como pensam os profissionais que dedicaram a vida a investir com prudência. A filosofia do value investing, nesse contexto, aparece menos como uma técnica e mais como uma postura — uma forma de olhar o mundo, avaliar oportunidades e lidar com incerteza. O investidor de valor não é, necessariamente, alguém conservador. É alguém que busca clareza antes de buscar retorno.

Entre os conceitos que mais me marcaram está o do “círculo de competência”. Chuck Akre, gestor com décadas de mercado, resume de maneira precisa:

“O mais importante não é o quanto você sabe — é saber o que você não sabe, e agir de acordo.”

Essa frase vale para a vida. A maioria dos grandes erros, financeiros ou não, nasce da ilusão de saber mais do que realmente se sabe. O bom investidor — e, por que não, o bom decisor — não precisa ter opinião sobre tudo. Precisa ter consciência dos limites da própria compreensão. Operar fora deles não é ousadia — é imprudência.

Essa ideia se conecta diretamente à maneira como esses investidores encaram o tempo. O livro é repleto de falas que desconstróem a imagem do investidor como alguém que está sempre em movimento. Muito pelo contrário. Os melhores, segundo eles próprios, passam longos períodos estudando, esperando, fazendo pouco ou nada. Bill Nygren, da Oakmark, diz que “a maior parte do nosso trabalho consiste em não fazer nada”. E isso não é preguiça. É preparação. Eles sabem que o mercado erra — e que é nos momentos de exagero que surgem as oportunidades. Mas esses momentos não são frequentes. É preciso estar preparado para esperar sem perder a forma.

Jean-Marie Eveillard, outro nome respeitado na história do value investing, diz com naturalidade:

“O valor raramente está onde há conforto — está onde há confusão.”

Esse tipo de frase, no livro, aparece aos montes. Mas não como aforismos de efeito. São constatações práticas. O desconforto, para quem pensa com método, não é um problema — é um sinal de que algo pode estar sendo mal precificado, mal compreendido ou simplesmente ignorado. Por isso, esses investidores convivem bem com o contrário. Eles não buscam validação no curto prazo. Buscam fundamento, mesmo que isso signifique suportar a solidão de uma posição impopular.

A primeira coisa que aprendi ao ler esse livro é que investir bem não tem a ver com genialidade ou velocidade. Tem a ver com discernimento. E que esse discernimento nasce de saber esperar, saber recusar, saber estudar — e, sobretudo, saber o que não fazer. Para além das ações, essa forma de pensar é útil para qualquer escolha importante. Saber quando não agir é o hora. Saber o que não se sabe é suficiente. Saber que a euforia dos outros não pode ser seu critério.

O livro não tem uma fórmula. Mas tem algo ainda mais raro: juízo. E se há algo que Munger — com sua voz baixa, firme e sem pressa — nos ensinou, é que juízo, ao contrário do capital, é sempre escasso.

Segundo o livro, esse juízo no value não se limitava a ensinar como identificar boas oportunidades. Ele se aprofundava em algo mais sutil: como sustentar uma ideia quando tudo ao redor te pressiona a desistir dela. Os grandes investidores não se destacam apenas por saber comprar — eles se destacam por saber carregar. E isso exige mais do que razão. Isso não é uma convicção teimosa. Exige uma convicção que nasce da dúvida bem resolvida.

David Einhorn, gestor do fundo Greenlight Capital, diz algo que pode soar óbvio, mas que se torna mais profundo à medida que amadurecemos como decisores:

“É perigoso acreditar demais numa tese. Mas é ainda mais perigoso não acreditar o suficiente.”

Essa tensão aparece o tempo todo. Quando você compra uma empresa — ou toma qualquer decisão importante —, precisa aceitar que haverá momentos em que tudo parecerá errado. O preço pode cair. O mercado pode discordar. Os outros podem rir. E é aí que você precisa saber exatamente por que entrou — e o que precisa acontecer para você sair.

A convicção verdadeira não é cega. É aquela que conhece seus limites. Os gestores entrevistados no livro têm um método claro para reavaliar suas posições: não negam os fatos, mas também não abandonam uma tese pelo simples desconforto. Eles reconhecem que há momentos em que a melhor resposta é não fazer nada. E há momentos em que a humildade exige sair antes que o erro se transforme em perda permanente.

Essa clareza também se aplica ao conceito de risco. Em contraste com o que se aprende nos manuais de finanças, nenhum desses investidores define risco como volatilidade. Risco, para eles, é perder dinheiro de forma irreversível. É comprar sem entender. É se iludir com narrativas. E confiar em quem não tem histórico. Risco, em essência, é o que acontece quando você abre mão do juízo.

Seth Klarman, autor de Margin of Safety, diz no livro algo que deveria estar gravado no espelho de qualquer investidor ou empreendedor:

“Risco não é o que os modelos projetam. Risco é o que sobra quando você acha que já considerou tudo.”

Com isso, o livro também toca em um ponto que poucos gostam de encarar: a venda. Saber vender é tão ou mais difícil do que saber comprar. Há afeto envolvido. Há ego. Há memória. É há sempre a tentação de acreditar que “o mercado vai voltar a enxergar”. Mas os melhores gestores tratam a venda com a mesma frieza que tratam a compra. Saem quando o valor é realizado. Quando a tese muda. Ou quando aparece uma oportunidade melhor. E, acima de tudo, saem quando percebem que estão mantendo a posição por orgulho — e não por fundamento.

Essa honestidade, que atravessa todo o livro, é talvez o aspecto mais transformador da leitura. Nenhum dos grandes nomes entrevistados se apresenta como infalível. Ao contrário, todos compartilham erros. Todos mostram que conviver com o erro — e não tentar escondê-lo — é parte da construção de um processo robusto. Eles não são imunes à emoção. São treinados para não deixá-la conduzir a decisão.

E aqui começa a se revelar o que The Art of Value Investing realmente é: não um livro sobre finanças, mas um livro sobre postura mental. Sobre a disposição de pensar quando o mercado exige pressa. Sobre a coragem de esperar quando todos já compraram. Sobre a capacidade de dizer “não agora” mesmo quando todos já disseram sim.

É justamente essa disciplina emocional — essa capacidade de sustentar decisões impopulares sem perder o centro — que separa os grandes investidores dos bons analistas. Porque no fim, como o próprio livro deixa claro, não é o conhecimento técnico que garante o resultado. É o comportamento quando ele é colocado à prova.

Se há um ponto onde todos os grandes investidores citados no livro convergem, é no papel do tempo. O tempo não é apenas uma variável. É o verdadeiro campo de prova. A maioria das boas decisões parece errada por longos períodos. Não porque estejam mal fundamentadas, mas porque o mercado, a vida, os ciclos e as pessoas nem sempre reagem com lógica imediata. Por isso, o investidor de valor — assim como qualquer pessoa comprometida com um processo — precisa aceitar essa defasagem entre o que sabe e o que o mundo reconhece.

Tom Russo, que gerencia um dos fundos mais respeitados dos Estados Unidos, chama isso de the capacity to suffer — a capacidade de sofrer. Não se trata de sofrimento estóico, mas da habilidade de carregar boas ideias por tempo suficiente até que o valor seja percebido. E isso não é tarefa técnica. É tarefa psicológica. Ele diz:

“As melhores ideias muitas vezes causam desconforto. É por isso que elas não são precificadas. É por isso que exigem estômago, não só cérebro.”

Esse tipo de desconforto atravessa silenciosamente a vida de quem investe com seriedade. Não apenas em ações, mas em qualquer campo que envolva compromisso com o longo prazo. O empreendedor que estuda uma empresa, o cientista que pesquisa algo improvável, o gestor que resiste à modinha do momento. Todos enfrentam essa solidão temporária da convicção.

O livro trata essa condição com respeito. Não transforma em romantismo. Não sugere heroísmo. Apenas mostra que, na ausência de convicção, qualquer pressão externa basta para desmantelar a decisão. É é por isso que os gestores mais consistentes não buscam consenso. Buscam clareza. Eles não precisam que os outros concordem — precisam que a análise faça sentido quando testada. Porque, como diz Howard Marks,

“você não pode prever — mas pode se preparar.”

Essa preparação se traduz também na forma como constroem suas carteiras. Ao contrário do que se ensina nos manuais sobre diversificação estatística, muitos dos gestores citados no livro mantêm carteiras concentradas. Não por vaidade, mas por convicção. Eles preferem investir mais onde estudaram mais. Não diversificam por medo — alocam com intenção. E quando erram, erram dentro de um processo que conhecem.

Uma carteira, para esses investidores, não é um produto. É uma extensão da identidade. Jason Karp, por exemplo, diz no livro que sua carteira “precisa ser algo que eu consiga olhar todo dia com integridade, mesmo quando está indo mal”. E esse tipo de frase explica por que eles não copiam os outros. Nem buscam estar certos sozinhos. Eles buscam estar certos por motivos certos — ainda que isso leve tempo para se provar.

E o tempo, como bem sabemos, cobra um preço: ele exige que você sobreviva até que ele te recompense. Isso vale para o investidor que segura uma ação subvalorizada. Mas vale também para qualquer profissional que trabalha em projetos de longo prazo. Nem sempre é a melhor ideia que vence. É a ideia que dura tempo suficiente para ser compreendida. E isso depende, mais uma vez, de estrutura emocional.

Quando terminei o livro, fechei a capa com a sensação de ter encontrado algo mais valioso do que uma teoria de investimentos. Eu não havia apenas lido sobre finanças — havia lido sobre clareza. Sobre paciência. Sobre como manter uma decisão de pé mesmo quando o mundo te empurra para o lado contrário.

Ali, entendi com mais nitidez o que realmente sustenta uma posição difícil: não é um modelo, não é um múltiplo, não é um gráfico. É convicção construída com honestidade intelectual. É, acima de tudo, disposição para aguentar o desconforto sem ceder ao barulho.

Lembrei de momentos em que mantive empresas por meses à fio sem questioná-las, e de outros em que desisti cedo demais. E percebi que o peso dessas decisões nunca é técnico — ele é emocional. O investidor, no fim, está o tempo todo testando os próprios limites: de paciência, de disciplina, de humildade.

Entre todas as falas do livro, uma das que mais me marcou foi a de Bruce Berkowitz, gestor da Fairholme Capital:

“Você precisa se acostumar a estar sozinho. A fazer algo que ninguém mais está fazendo. A manter uma posição que todos estão criticando. E a aceitar que, por um tempo, talvez você pareça o tolo da sala.”

Não é exagero. É a realidade de quem investe com convicção em ciclos longos.

Quando o mercado está eufórico com outra narrativa, sustentar um processo silencioso e impopular exige mais do que argumento. Exige estrutura.

E essa estrutura, como o livro mostra do começo ao fim, não se improvisa. Ela é construída com método. Com consciência dos próprios erros. Com a disposição de revisar a tese sem virar refém do preço. E com a aceitação de que, muitas vezes, você só vai ser reconhecido depois que o tempo passar — se for.

É por isso que, para mim, o livro vale mais pelo que ele ensina sobre o ato de pensar do que pelo conteúdo específico sobre investimentos. Ele não é uma coletânea de técnicas — é um exercício de clareza. Ele mostra, de forma muito concreta, que o valor não está naquilo que parece brilhante. Está naquilo que continua fazendo sentido quando todo o resto já se apagou.

A frase de Charlie Munger que abre o livro volta com ainda mais força ao final:

“Todo investimento inteligente é investimento em valor.”

E agora entendo com mais profundidade o que ele queria dizer. Não é uma frase sobre o mercado — é uma frase sobre postura. Valor, no fundo, é o que sobra quando o preço já deixou de ser argumento.

Até a próxima.