
NOVA YORK / BUENOS AIRES — No mundo dos investimentos, poucos nomes despertam tanta polêmica quanto Paul Singer. Para alguns, ele é um gênio das finanças, um investidor meticuloso capaz de encontrar valor onde ninguém mais vê. Para outros, é um especulador implacável, um operador de bastidores que enriquece explorando as fragilidades de economias instáveis.
O caso mais emblemático de sua carreira foi a batalha de mais de 15 anos contra a Argentina, um país que, após uma das maiores crises econômicas de sua história, se tornou alvo do fundo de Singer, o Elliott Management. O investidor comprou títulos da dívida argentina a preço de liquidação e, ao contrário de outros credores que aceitaram um acordo com o governo para receber uma fração do valor original, ele decidiu levar a disputa até as últimas consequências.
O embate transformou Singer em uma figura odiada na Argentina e um dos mais temidos investidores do planeta. Com a ajuda de um exército de advogados, manobras judiciais em tribunais internacionais e uma estratégia de pressão financeira sem precedentes, o bilionário conseguiu bloquear ativos do governo argentino e até confiscar um navio de guerra do país. No fim, sua aposta bilionária deu certo: em 2016, após uma longa negociação com o governo de Mauricio Macri, o fundo de Singer recebeu US$2,4 bilhões — um retorno de mais de 1.600% sobre o valor investido.
Mas como um investidor americano conseguiu dobrar um país inteiro e fazer fortuna com sua crise econômica? Para entender essa história, é preciso voltar no tempo e relembrar o colapso da economia argentina no início dos anos 2000.
O colapso da Argentina e a aposta de Paul Singer
Nos anos 1990, a Argentina adotou um modelo econômico agressivo, atrelando sua moeda ao dólar para conter a hiperinflação e atraindo investimentos externos. O país se endividou rapidamente, apostando que o crescimento sustentaria suas obrigações. Mas quando a economia global desacelerou e os juros americanos subiram, a Argentina se viu encurralada.
Sem dinheiro para pagar sua dívida externa, o país decretou a moratória em 2001, suspendendo pagamentos sobre US$ 132 bilhões em títulos soberanos — na época, o maior calote da história. O governo peronista de Néstor Kirchner negociou um acordo com os credores, oferecendo-lhes uma reestruturação da dívida, onde receberiam cerca de 30% do valor original dos títulos. 92% dos investidores aceitaram, mas alguns, incluindo Paul Singer, se recusaram a participar do acordo.
Entre 2001 e 2003, o Elliott comprou cerca de US$600 milhões em títulos argentinos por valores que variavam entre 20 e 30 centavos por dólar, ou seja, pagou cerca de US$150 milhões para ter o diretio de receber US$600 milhões.
A guerra nos tribunais: bloqueios, embargos e o confisco de um navio de guerra

A estratégia jurídica do Elliott Management foi meticulosamente calculada. Singer processou a Argentina em tribunais de Nova York, argumentando que o país não poderia continuar pagando os credores que aceitaram o acordo enquanto ainda devia dinheiro a ele.
A aposta deu certo. Em 2012, um juiz americano bloqueou pagamentos da Argentina a credores que haviam aceitado a reestruturação da dívida, criando um impasse financeiro. Se o governo argentino seguisse adiante com os pagamentos, violaria decisões judiciais e poderia enfrentar punições severas.
Mas Singer não parou por aí. Em um dos episódios mais surpreendentes da disputa, seu fundo conseguiu apreender um navio da Marinha argentina. O fragata ARA Libertad, um dos símbolos da força naval do país, foi apreendido em Gana, na África, sob ordens de tribunais internacionais que atendiam aos pedidos de credores como Singer. O episódio foi um golpe simbólico devastador para a Argentina e um claro aviso de que o investidor estava disposto a levar a disputa até o limite.
O governo argentino reagiu chamando Singer de “terrorista financeiro” e mobilizando aliados internacionais para pressionar os tribunais. Mas a cada nova tentativa de negociar, Singer mantinha sua posição: ou o país pagava o valor integral, ou enfrentaria bloqueios e retaliações econômicas sem fim.
O acordo bilionário e a vitória de Singer
A situação mudou em 2015, quando Mauricio Macri assumiu a presidência da Argentina e adotou uma abordagem pragmática. Diferente dos governos peronistas anteriores, Macri sabia que o país precisava voltar ao mercado financeiro global e encerrar a disputa com os fundos abutres era essencial para restaurar a confiança dos investidores.
Depois de meses de negociação, um acordo foi fechado. Em fevereiro de 2016, a Argentina concordou em pagar US$4,6 bilhões aos credores que haviam rejeitado a reestruturação da dívida, sendo US$2,4 bilhões apenas para Paul Singer e seu fundo. O montante representava cerca de 1.600% de retorno sobre o valor investido, tornando essa uma das apostas mais lucrativas da história de Wall Street.
A vitória consolidou Singer como um dos investidores mais implacáveis do mercado. Seu modelo de negócios, baseado na compra de dívidas de países quebrados para depois litigá-las até obter pagamento total, já havia sido utilizado antes na Peru, Congo e Equador, mas o caso argentino foi o mais emblemático.
As consequências para a Argentina e a reputação de Singer
A decisão de Macri de ceder à pressão dos credores foi vista como um mal necessário por alguns e como uma rendição vergonhosa por outros. A Argentina voltou ao mercado internacional de crédito, mas o acordo estabeleceu um perigoso precedente: outros países endividados poderiam enfrentar o mesmo tipo de assédio por parte de fundos abutres no futuro.
Já Singer, apesar das críticas, continuou expandindo seus investimentos e ampliando a influência do Elliott Management. Seu fundo gerencia mais de US$ 60 bilhões em ativos e segue operando agressivamente nos mercados globais.
Embora muitos o enxerguem como um símbolo do capitalismo predatório, há quem o admire por sua frieza e disciplina. Afinal, ele não quebrou nenhuma lei — apenas soube explorar as falhas do sistema financeiro internacional de maneira brutalmente eficiente.No fim das contas, a história de Paul Singer e da Argentina mostra que, no mundo das finanças, a paciência e a estratégia podem valer bilhões. Enquanto alguns veem um abutre rondando carcaças econômicas, outros enxergam um dos investidores mais inteligentes e persistentes da era moderna.