O xadrez de Tanure: Como o empresário articula uma fusão entre GPA e Dia Brasil para reestruturar o varejo?

SÃO PAULO — Nelson Tanure nunca foi afeito a movimentações tímidas no mercado de capitais. Mas sua investida no varejo alimentar está desenhando uma das mais ousadas reestruturações corporativas do setor em anos. 

Em apenas quatro meses, o empresário comprou o controle da operação brasileira da rede espanhola Dia e passou a ser um dos principais acionistas do GPA, dono do Pão de Açúcar e Extra. Desde então, vem articulando uma possível fusão que, se concretizada, pode consolidar uma nova potência no setor supermercadista e redesenhar o mapa competitivo da categoria no Brasil.

A entrada pelo Dia

A ofensiva começou em dezembro de 2024, quando a MAM Asset Management, veículo ligado a Tanure, anunciou a aquisição da operação brasileira do Grupo Dia. O ativo, fragilizado há anos, acumulava prejuízos e havia perdido boa parte de sua base de lojas. Ainda assim, tratava-se de uma estrutura pronta, com 250 lojas, presença consolidada em boas regiões e ativos logísticos subvalorizados.

Mais do que uma oportunidade isolada, o Dia era uma porta de entrada. Nos bastidores, Tanure já mirava o GPA — e sabia que a combinação dos dois ativos permitiria montar uma estrutura com escala nacional, capilaridade, potencial de sinergia e, sobretudo, espaço para arbitragem de valor.

A posição no GPA

Enquanto fechava a compra do Dia, Tanure acelerava a montagem de sua posição no GPA. Em março de 2024, o grupo havia feito um follow-on de R$700 milhões, vendendo ações a R$3,20. Um ano depois, os papéis estavam abaixo de R$2,70. Tanure aproveitou.

Por meio de veículos ligados à gestora Reag, o empresário acumulou uma fatia de aproximadamente 10% do capital, tornando-se um dos principais acionistas individuais da companhia. Mas sua estratégia dependia de articulação com dois outros personagens centrais da história.

O primeiro era o próprio Casino. O grupo francês, controlador histórico do GPA, ainda detinha 22,5% das ações, mas já havia sinalizado publicamente sua intenção de se desfazer do ativo. O segundo era Ronaldo Iabrudi, ex-CEO e chairman do GPA, que retornava ao centro das decisões com 5,6% do capital diretamente e influência sobre investidores que somam outros 11%.

Juntos, os três passaram a atuar como um bloco informal, coordenando cerca de 40% do capital votante da companhia. Era o suficiente para reconfigurar o conselho e, com ele, os rumos do GPA.

Os bastidores do novo conselho

Em 4 de abril, o GPA convocou formalmente seus acionistas para uma assembleia geral extraordinária no dia 5 de maio de 2025, atendendo a uma solicitação do fundo Saint German, tcom um único item na pauta: a eleição de um novo conselho de administração. Nos bastidores, porém, as articulações já estavam fechadas.

O acordo entre Casino, Tanure e Iabrudi prevê a ampliação do board de seis para nove cadeiras e uma nova composição que reflita o alinhamento entre os três. A proposta de nomes é a seguinte:

Ronaldo Iabrudi, como presidente do conselho;

Christophe José Hidalgo, representante do Casino, como vice-presidente;

Marcelo Pimentel, atual CEO do GPA, mantido no colegiado;

Pedro Borba e Rodrigo Tostes, indicados por Tanure;

Líbano Barroso, nome próximo de Iabrudi;

Esther Helene Bitton, executiva de M&A do Casino em Paris;

Eliana Ambrósio Chimenti, advogada com histórico em governança e assento nos conselhos da Hypera e da B3;

Sebastián Dario Los, ex-CEO do Cencosud Brasil.

Com o bloco majoritário alinhado, o resultado da eleição já é tratado como praticamente definido. Mas o processo não passou sem ruídos.

Na reta final da composição, um novo personagem entrou no jogo: Rafael Ferri, fundador do TC, que detém cerca de 1,5% do GPA. Ferri formalizou sua candidatura ao conselho e tenta articular uma frente de minoritários com o objetivo de conquistar uma ou duas cadeiras no colegiado — sendo uma delas para ele próprio. Segundo declarações ao InvestNews, ele já teria apoio suficiente para somar até 8% do capital.

Apesar da tentativa, o consenso entre analistas é que o placar está desenhado. O trio Casino–Tanure–Iabrudi possui maioria ampla e, mais importante, agenda comum: reduzir dívida, vender ativos não essenciais e iniciar uma reorganização operacional que pode culminar na fusão com o Dia.

O GPA no centro da reestruturação

Se o Dia é o ativo depreciado com potencial de recuperação, o GPA é a estrutura com musculatura para viabilizar a fusão. Mesmo cambaleando por anos de resultados ruins, o grupo ainda é dono de bons ativos — como as bandeiras Pão de Açúcar, Extra e a plataforma digital James Delivery — além de centros de distribuição, contratos com fornecedores e presença relevante em áreas nobres de capitais brasileiras.

Mas a fotografia financeira ainda é desfavorável. Em 2024, o GPA amargou um prejuízo líquido de R$2,05 bilhões, aprofundando a perda de R$2,27 bilhões do ano anterior. A companhia fechou o ano com R$4 bilhões em dívida bruta, gastando R$600 milhões por ano apenas com o serviço dessa dívida, enquanto seu EBITDA gira em torno de R$800 milhões. Ainda assim, a companhia conseguiu reduzir sua alavancagem de 9x para 1,6x EBITDA, com ajuda do follow-on e da venda de ativos non-core — que somaram R$2,2 bilhões em desmobilizações.

Além disso, a companhia tem R$2,6 bilhões em caixa e R$2 bilhões em créditos tributários que podem ser monetizados no médio prazo. O plano de reestruturação aprovado pelo novo conselho prevê acelerar esse processo, focando em eficiência operacional, venda de imóveis e enxugamento da estrutura.

O plano de Tanure

Fontes próximas ao grupo dizem que Tanure enxerga a fusão com o Dia como um “atalho” para construir um novo player nacional, com escala, presença e flexibilidade. O GPA traria a marca forte, os ativos logísticos e a listagem em bolsa. O Dia traria pontos de venda subvalorizados, capilaridade em regiões populares e uma estrutura enxuta, mais adaptável a um modelo de low cost, low price.

A ideia, segundo executivos próximos à operação, é fazer uma fusão operacional, mas mantendo inicialmente as estruturas societárias separadas. Isso permitiria capturar sinergias em logística, negociação com fornecedores e conversão de bandeiras, sem assumir imediatamente os passivos jurídicos e fiscais do Dia — que ainda passam por auditoria e ajustes.

Tanure também evita assumir o controle formal da nova estrutura. Assim como fez em outras empresas — como Oi, Alliança Energia e Light — o empresário prefere manter influência decisiva nos bastidores, por meio de acordos de governança e nomeação de conselheiros, sem carregar os ônus e responsabilidades jurídicas de um controlador declarado.

O papel do Banco Master e seus aliados

A movimentação em torno do GPA não envolve apenas Tanure. Nos bastidores, Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, e Maurício Quadrado, gestor da Trustee, também se movimentam para ganhar espaço na governança. O fundo Saint German, citado nos relatórios do Master como veículo investido pelo banco, detém cerca de 3% das ações do GPA e foi responsável formal pelo pedido de troca no conselho.

Embora oficialmente separados, Vorcaro, Quadrado e Tanure compartilham diversas operações em conjunto — o que, na prática, configura uma frente coordenada de investidores de oportunidade que têm atuado para destravar valor em empresas estressadas.

O GPA, portanto, é hoje um dos principais ativos sob influência dessa rede de investidores — junto com empresas como Light e, até recentemente, a própria Oi.

A resistência dos minoritários

O novo conselho deve ser eleito com maioria confortável, mas não sem ruídos. Investidores como Rafael Ferri, fundador do TC, tentaram articular uma chapa alternativa para garantir representação dos minoritários no colegiado. Ferri detém cerca de 1,5% das ações e chegou a indicar sua própria candidatura ao conselho, mas não obteve o apoio necessário para avançar com a proposta.

Apesar da tentativa frustrada, o episódio acendeu o alerta de que o novo bloco controlador pode enfrentar questionamentos à medida que os planos de fusão avancem. A leitura entre minoritários é que qualquer operação entre partes relacionadas — como uma fusão entre GPA e Dia, ambos sob influência de Tanure — precisará ser altamente transparente, com laudos independentes, governança reforçada e aprovação em assembleia.

Uma fusão inevitável?

Oficialmente, nem GPA nem Dia confirmam a fusão. Mas a convergência é evidente. Os dois grupos estão sob influência do mesmo investidor. Os conselhos são alinhados. Os ativos são complementares. E a lógica financeira é clara.

O Dia Brasil está hoje com cerca de 250 lojas, após anos de encolhimento e fechamento de 343 unidades deficitárias. Com base instalada e presença em bairros populares de São Paulo, a rede ainda tem potencial de gerar caixa se reposicionada com eficiência.

O GPA com , por sua vez, está focado em lojas premium e supermercados de bairro, com a marca Pão de Açúcar. A fusão poderia permitir a separação mais clara de bandeiras: o Pão de Açúcar com foco A/B+, e o Dia com modelo mais popular e capilar.

A gestão da nova operação, pelo menos neste primeiro momento, deve seguir com Marcelo Pimentel, que tem o apoio público de Iabrudi e de Tanure. Mas analistas de mercado apostam que, com o tempo, um novo comando será desenhado — possivelmente com executivos trazidos por Tanure ou contratados externamente para liderar a integração.

O que está em jogo

Com um valuation deprimido — o GPA vale hoje R$1,8 bilhão na B3, mesmo com base de ativos bem superior — e uma estrutura ajustada, a companhia vive um ponto de inflexão. A fusão com o Dia é arriscada, mas pode destravar valor e inaugurar um novo ciclo de crescimento.

Mais do que isso, pode posicionar Tanure como um novo ator relevante no varejo alimentar — um setor que, até aqui, ele nunca havia explorado. O empresário já mostrou apetite por reestruturações complexas e ativos subavaliados. A diferença, agora, é a escala. O GPA tem mais de 30 mil funcionários, listagem no Brasil e nos EUA, e exposição direta ao consumidor final.

Com o novo conselho já empossado e a operação do Dia avançando, o segundo semestre de 2025 deve marcar o início da integração. O mercado acompanha de perto. E, como sempre com Tanure, a dúvida não é se ele vai tentar mudar o jogo. Mas até onde ele está disposto a ir.