
No mundo das finanças, crises de confiança podem devastar instituições centenárias. Foi exatamente o que aconteceu com a Salomon Brothers, uma das maiores instituições de Wall Street, no início dos anos 1990. Envolvida em um escândalo financeiro que abalou o mercado, a empresa estava à beira do colapso. Mas, em uma reviravolta que se tornaria um dos casos mais emblemáticos do mercado financeiro, Warren Buffett entrou em cena, transformando uma crise em uma oportunidade bilionária.
A Ascensão e a Era de Ouro da Salomon Brothers

Fundada em 1910, a Salomon Brothers era conhecida por sua audácia e inovação. Foi pioneira no mercado de renda fixa e se tornou referência em operações de títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Durante as décadas de 1970 e 1980, a empresa liderou o mercado de títulos hipotecários, impulsionando lucros extraordinários e criando uma cultura agressiva que valorizava a competição e os resultados acima de tudo.
No entanto, essa cultura também tinha um lado sombrio. Incentivos desenfreados e um apetite voraz por lucros criaram um ambiente em que a linha entre o legal e o ilegal frequentemente se tornava tênue. Essa abordagem, que durante anos fez da Salomon Brothers uma das mais lucrativas de Wall Street, acabaria sendo sua maior fraqueza.
O Escândalo: O Caso dos Títulos do Tesouro

O escândalo que quase destruiu a Salomon Brothers começou em 1990, quando um de seus principais traders, Paul Mozer, foi flagrado manipulando leilões de títulos do Tesouro dos EUA. O Departamento do Tesouro, que realizava leilões regulares para vender títulos governamentais, tinha regras rígidas para evitar concentração de poder nas mãos de poucos participantes. Cada entidade só podia adquirir até 35% de um leilão, garantindo maior distribuição e estabilidade ao mercado.
Mozer, no entanto, encontrou uma maneira de contornar essas regras. Ele usava contas de clientes e entidades de terceiros – muitas vezes sem o conhecimento ou consentimento deles – para fazer propostas adicionais e exceder o limite permitido. Ao controlar uma parcela maior dos leilões, Mozer e a Salomon Brothers conseguiam manipular o mercado, inflacionando os preços dos títulos e lucrando na revenda, o esquema gerou cerca de 400 milhões de dólares para o banco.
Em abril de 1991, Mozer enviou uma proposta ilegal ao Tesouro em nome de um cliente sem a permissão deste, despertando suspeitas. Quando o cliente, uma grande instituição financeira, notou a operação irregular, ele reportou diretamente ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, desencadeando investigações. À medida que as apurações avançavam, as autoridades descobriram a amplitude do esquema, revelando práticas fraudulentas que mergulharam a Salomon Brothers em uma grave crise de credibilidade e investigações por órgãos reguladores. A situação se agravou ainda mais quando veio à tona que altos executivos do banco, incluindo o CEO John Gutfreund, sabiam das irregularidades meses antes de elas se tornarem públicas, mas não tomaram as medidas necessárias para interrompê-las.
Em resposta à gravidade das descobertas, o Departamento do Tesouro tomou uma medida drástica: proibiu temporariamente a Salomon Brothers de participar de seus leilões de títulos. Para um banco cuja reputação e modelo de negócios dependiam fortemente de sua atuação nesse mercado, a decisão representava uma sentença de morte iminente.
A Crise de Confiança e o Chamado a Warren Buffett

Quando o escândalo veio à tona, a reação do mercado foi rápida e brutal. Clientes retiraram seus recursos, parceiros comerciais hesitaram em fazer negócios com a instituição e ações judiciais começaram a se acumular. A Salomon Brothers, que até então era sinônimo de poder e influência em Wall Street, agora enfrentava o risco real de falência.
Nesse contexto caótico, o conselho recorreu a Warren Buffett, que havia investido cerca de US$ 700 milhões na Salomon Brothers em 1987, adquirindo 12% de participação na instituição. Embora o banco não fosse uma de suas apostas típicas – Buffett geralmente preferia empresas com modelos de negócios mais simples – ele acreditava no potencial da Salomon Brothers como uma potência em Wall Street.
Atendendo ao chamado, Buffett assumiu o cargo de CEO interino em agosto de 1991. Sua primeira tarefa foi restaurar a confiança no banco. Ele demitiu executivos envolvidos no escândalo, implementou uma política de tolerância zero a irregularidades e cooperou integralmente com os reguladores. Mais importante, ele utilizou sua credibilidade para tranquilizar clientes, investidores e o próprio Tesouro dos EUA, que estava considerando banir a Salomon Brothers de futuras operações – uma medida que teria selado o destino da instituição.
A Estratégia de Buffett: Transparência e Gestão de Crises

Buffett adotou uma abordagem direta e transparente, enfrentando as investigações de frente e garantindo que o banco se comprometesse a corrigir seus erros. Em um discurso memorável ao Congresso dos Estados Unidos, ele declarou: “Se você perder dinheiro para a firma, eu entenderei. Mas se você comprometer a reputação da firma, serei implacável.” Essas palavras, combinadas com ações concretas, ajudaram a reconstruir a imagem da Salomon Brothers.
Além de restaurar a confiança pública, Buffett teve que negociar diretamente com o Departamento do Tesouro dos EUA. Após o escândalo, a Salomon Brothers havia sido temporariamente proibida de participar dos leilões de títulos do Tesouro, utilizando sua reputação irrepreensível, reuniu-se com Nicholas Brady, então Secretário do Tesouro, e com outros altos funcionários do governo para convencê-los de que a instituição havia tomado medidas sérias para evitar novas irregularidades, resgatando sua principal fonte de receita.
Buffett também injetou disciplina financeira no banco. Ele cortou custos, reestruturou operações e buscou otimizar a rentabilidade. Embora sua experiência como investidor não estivesse diretamente ligada à gestão de um banco de investimento, sua abordagem pragmática e ética inquestionável provaram ser exatamente o que a Salomon Brothers precisava naquele momento.
Os Resultados e o Lucro Bilionário

Sob a liderança temporária de Buffett, a Salomon Brothers conseguiu sobreviver ao escândalo. Em 1992, o banco pagou uma multa de US$ 290 milhões para encerrar as investigações – a maior já aplicada a uma instituição financeira na época. Embora o valor fosse significativo, ele garantiu que o banco pudesse continuar operando e participando dos leilões de títulos do Tesouro.
A reputação de Buffett e sua capacidade de estabilizar a empresa atraíram investidores de volta ao banco. Com o tempo, a Salomon Brothers recuperou parte de sua força no mercado, embora nunca tenha voltado ao status de líder absoluta. Em 1997, o banco foi vendido para o Travelers Group por US$ 9 bilhões, que mais tarde se fundiria com o Citicorp para formar o Citigroup, Buffett recebeu US$2,1 bilhões com a venda, além dos dividendos no período.
Para Buffett, a venda representou o encerramento de uma das apostas mais arriscadas de sua carreira.