O Centro Virou

Como a Kaza Capital saiu de Goiânia para se tornar o 3º maior escritório do BTG — e o que isso revela sobre a nova geografia do dinheiro no Brasil

GOIÂNIA — Até pouco tempo atrás, era quase um axioma do mercado: os grandes escritórios de wealth management estavam na Faria Lima. Comandados por sócios veteranos do mercado financeiro, operavam com a estética da exclusividade e a lógica da concentração. Mas isso começa a mudar. A ascensão de Goiás ao topo do ranking do BTG Pactual, maior banco de investimentos da América Latina, marca um ponto de inflexão na geografia do dinheiro brasileiro.

Em maio de 2025, o BTG atualizou seu ranking de agentes autônomos. Em terceiro lugar, surgiu um nome fora do script habitual: a Kaza Capital, fundada em Goiânia, com mais de R$2 bilhões sob custódia e atuação centrada no interior do país.

No mercado, o movimento foi lido como uma surpresa, mas quem acompanha o avanço da Kaza nos últimos anos sabe que a posição é consequência direta de uma tese bem executada: ocupar o espaço que os grandes nunca viram. E construir, longe dos holofotes, um modelo que une sofisticação financeira e proximidade operacional com o agro, as famílias empresárias e o patrimônio invisível da nova economia brasileira.

Quando o dinheiro sai da Faria Lima

O patrimônio no Centro-Oeste era real, mas estava disperso e, na maioria dos casos, mal estruturado. Parte estava imobilizada em terras produtivas, silos, fazendas de alto valor, máquinas e estoques agrícolas. Outra parte, em aplicações avulsas, imóveis sem holding, quotas de empresas familiares e contas bancárias no nome da pessoa física.

Não havia estratégia consolidada. A sucessão patrimonial era frequentemente ignorada ou tratada informalmente: pais dividiam o que podiam entre filhos, sem testamento, sem planejamento tributário, sem governança. Muitas vezes, uma empresa que faturava R$500 milhões ao ano tinha sua conta principal operada no varejo bancário, com decisões financeiras tomadas entre o gerente da agência local e o dono da fazenda.

Quando havia alguma estrutura de proteção, ela era caseira: uma holding mal desenhada, um contador de confiança, um advogado da família. Planos de previdência sem aderência ao perfil do cliente. Investimentos em fundos genéricos, oferecidos por instituições que pouco conheciam o negócio agroindustrial e menos ainda a dinâmica familiar por trás dele.

Enquanto isso, os grandes escritórios do eixo Rio-SP mantinham foco nas famílias tradicionais do Sudeste e nas heranças industriais do século passado. Raramente olhavam para além da Marginal. Poucos se davam ao trabalho de ir ao campo. Quase nenhum atravessava a BR-153 para entender o que, de fato, estava acontecendo com o dinheiro do agronegócio.

A base de clientes da Kaza é formada, majoritariamente, por empresários, médicos, grandes produtores rurais e famílias que construíram seu patrimônio com muito esforço e visão ao longo de décadas. São clientes que valorizam relações de longo prazo, atendimento técnico e, principalmente, confiança.

Esse patrimônio vem, em grande parte, da economia regional de Goiás, do agronegócio, do setor médico-hospitalar, do varejo e de holdings familiares que atuam no estado e em outras regiões do país. Também atendemos clientes que migraram de plataformas tradicionais em busca de um serviço mais personalizado e estratégico.

Pedro Panigo
Diretor de expansão da Kaza Capital

Foi nesse vazio que a nova geração de assessores regionais se estabeleceu. Em vez de abrir uma filial em São Paulo, a Kaza montou times em Uberlândia, Rio Verde, Jataí e Anápolis e criou uma estrutura para atender esses clientes mais complexos com soluções sob medida, sem vender produto, mas desenhando estratégia. E conquistaram um público que cresceu longe dos centros financeiros, mas que agora exige a mesma sofisticação.

O capital não saiu de São Paulo, mas deixou de estar só lá.

O cliente do Centro-Oeste, especialmente o goiano, é um investidor criterioso. Ele valoriza profundidade técnica, mas também espera que o assessor entenda seu contexto: o ritmo da sua empresa, o peso das decisões financeiras, e a necessidade de clareza, não de complexidade.

Muitas vezes, escritórios de grandes praças falham por entregarem algo excessivamente padronizado. Nosso cliente quer saber o “porquê” de cada posição na carteira. Ele quer transparência, agilidade e uma linguagem que fale com ele sem arrogância técnica, mas com autoridade prática.

É por isso que investimos tanto em formar um time próximo, disponível e com capacidade de traduzir o mercado em decisões que façam sentido na vida real de cada cliente.

Pedro Panigo
Diretor de expansão da Kaza Capital

A origem de uma anomalia estatística

Fundada em 2013 por quatro sócios com passagens por grandes instituições financeiras, a Kaza Capital nasceu em Goiânia com um foco pouco óbvio à época: atender o agronegócio com gestão patrimonial de alta performance. O Centro-Oeste vivia um ciclo de crescimento firme, mas ainda discreto. A área plantada em Goiás cresceu 43% na década, a produção agrícola avançou mais de 80%, e o valor das terras se multiplicava a cada nova safra.

Apesar disso, a maioria dos produtores com patrimônio elevado seguia sendo atendida por estruturas de varejo: linhas de crédito rural, gerentes de banco e carteiras de investimento padronizadas. A demanda existia, mas a oferta era limitada — tanto em sofisticação quanto em proximidade.

Foi nesse vácuo que a Kaza começou a crescer. Em vez de mirar grandes praças e heranças tradicionais, os sócios decidiram atuar onde o patrimônio já existia — mas ainda não tinha estrutura. O relacionamento com produtores, agroindústrias e famílias locais foi construído com base em confiança, visitas diretas e atenção ao detalhe operacional.

Gabriel Valadão, sócio responsável pela expansão digital, resume a leitura da época:

“Goiás sempre foi uma potência econômica subestimada pelo mercado financeiro tradicional. Enquanto escritórios em São Paulo ou no Sul disputavam uma mesma carteira de clientes, havia aqui um oceano azul de patrimônio não assistido de forma técnica.

Enxergamos que havia profundidade patrimonial, mas carência de estratégia personalizada. E mais do que isso: vimos um perfil de cliente que quer ser atendido por alguém que fala a mesma língua. Que conhece seu setor, que entende a dinâmica do agronegócio, da sucessão familiar, das janelas do mercado.

Enquanto muitos ignoravam Goiás por não enxergarem escala imediata, nós construímos presença, relacionamento e autoridade. Hoje, isso se traduz em crescimento sólido e consistente.”

A virada institucional

Em 2021, a Kaza rompeu com a XP e passou a integrar a plataforma do BTG Pactual. O movimento marcou um ponto de inflexão estratégico. Até ali, a casa somava cerca de R$600 milhões sob custódia. Dois anos depois, esse número havia mais do que triplicado, passando dos R$2 bilhões.

A mudança não foi apenas contratual, foi estrutural.

“A migração para o BTG foi uma decisão estratégica”, explica Diego Horst, CEO da Kaza Capital.

“Em determinado momento, percebemos que nosso cliente estava exigindo um nível de entrega mais técnico, mais institucional e mais conectado com soluções sofisticadas — que muitas vezes estavam fora da prateleira da antiga plataforma.

O BTG nos proporcionou acesso direto à mesa institucional, à originação de operações exclusivas e à sinergia com o banco em áreas como crédito, estruturação e mercado secundário. Isso nos deu potência para crescer com qualidade.

Além disso, o alinhamento cultural com o BTG — de performance, proximidade com o cliente e inteligência de mercado — contribuiu diretamente para o nosso salto nos anos seguintes. Mais do que mudar de plataforma, migramos para uma nova mentalidade de negócio.”

Com a nova estrutura, a Kaza passou a oferecer previdência avançada, veículos internacionais, soluções de proteção patrimonial e até cartões black com gestão integrada. O relacionamento com o cliente deixou de ser apenas de assessoria financeira e passou a ser de organização patrimonial completa.

O que vem agora?

A Kaza nunca teve plano de ir para São Paulo. O foco sempre foi o de construir presença nos polos de geração de riqueza que ainda estão fora do radar da elite financeira. Agora, a expansão segue esse mesmo desenho.

Nos próximos meses, o escritório deve abrir operações físicas em cidades estratégicas como Rondonópolis (MT), Luís Eduardo Magalhães (BA), Campo Grande (MS) e Primavera do Leste (MT) — todas regiões com forte presença de produtores, cooperativas, agroindústrias e empresas familiares em processo de sucessão. Mas a prioridade não é velocidade, é capilaridade com consistência.

Cada nova base terá times próprios, com autonomia comercial e estrutura de backoffice integrada. A estratégia é montar unidades com raízes locais, lideradas por profissionais que conhecem o cliente e o território sem depender da matriz em Goiânia para decisões operacionais.

Além da expansão geográfica, a Kaza também vem reforçando áreas especializadas em temas como sucessão patrimonial, previdência privada, diversificação internacional, estruturação de veículos e advisory para investidores institucionais da região. A ideia é que a próxima etapa de crescimento seja tão horizontal quanto vertical, aumentando cobertura, mas também profundidade.

A ambição não é ocupar espaço. É capturar valor onde ele já existe, mas ainda está desassistido.