O “case” da JBS: Um Manual de Como Crescer no Brasil

Como um frigorífico goiano conseguiu se tornar grande demais para quebrar?

Se há uma empresa que representa como o capitalismo brasileiro pode se misturar com os interesses políticos e com a estrutura do Estado, essa empresa é a JBS. Em menos de duas décadas, o frigorífico goiano se tornou a maior processadora de proteína animal do mundo, com faturamento de mais de R$360 bilhões em 2024. Mas seu crescimento não foi apenas o resultado de uma estratégia de negócios bem executada. Foi também uma aula de como dinheiro barato do governo, relações políticas e corrupção sistêmica podem transformar uma empresa regional em um império global.

Para entender como a empresa chegou ao topo – e os esqueletos que ainda rondam sua trajetória – é preciso voltar aos anos 2000, quando o Brasil decidiu transformar um frigorífico goiano em um “campeão nacional”.

Aceleração via BNDES

Até o início dos anos 2000, a JBS era um frigorífico grande, mas ainda um player doméstico. O verdadeiro salto veio quando o governo federal decidiu que o Brasil precisava de multinacionais que representassem o país no exterior. A estratégia do BNDES na época era criar “campeões nacionais” – empresas brasileiras que receberiam apoio do banco para se tornarem líderes globais.

Foi nesse contexto que a JBS recebeu um volume sem precedentes de recursos públicos. Entre 2007 e 2011, o BNDES despejou cerca de R$8,1 bilhões na empresa, comprando participações acionárias e financiando aquisições que impulsionaram sua presença global.

Com dinheiro quase ilimitado e financiamento a juros baixos, a JBS iniciou uma das maiores ofensivas de M&A (fusões e aquisições) da história do Brasil. As aquisições mais relevantes incluem:

Swift & Company (2007): US$ 1,4 bilhão – Entrada no mercado americano

Smithfield Beef (2008): US$ 565 milhões – Expansão nos EUA

Pilgrim’s Pride (2009): US$ 800 milhões – Líder global em frango

Cargill Pork (2015): US$ 1,45 bilhão – Consolidação no mercado suíno

Moy Park (2015): US$ 1,5 bilhão – Expansão na Europa

O problema? Enquanto o mercado privado via essas operações com ceticismo, o BNDES parecia ter um interesse quase inabalável na ascensão da JBS. Para os críticos, a empresa se tornou uma espécie de “filha preferida” do banco estatal, recebendo bilhões em condições muito mais favoráveis do que concorrentes jamais conseguiriam.

Corrupção e a implosão do esquema

Mas o crescimento meteórico da JBS não veio apenas de uma estratégia de M&A bem executada. Nos bastidores, a empresa construiu um esquema massivo de corrupção, onde repassava propinas milionárias a políticos e autoridades em troca de favores e benefícios.

O escândalo veio à tona em 2017, quando Joesley Batista fechou um acordo de delação premiada com a Lava Jato e revelou detalhes sobre o esquema que envolvia desde subornos a membros do governo até o financiamento ilegal de campanhas eleitorais. O impacto foi devastador: a delação da JBS chegou até o presidente Michel Temer, causando um terremoto político que resultou na prisão dos irmãos Batista.

Entre as revelações mais explosivas estavam os pagamentos de propina para de 1.000 políticos de 28 partidos, uma estratégia de “subornar o Congresso inteiro” para garantir influência e contratos bilionários.

A JBS também foi acusada de manipular o mercado financeiro. Pouco antes de sua delação vir a público, a empresa comprou US$1 bilhão em contratos futuros de dólar e vendeu ações, apostando no caos que ela mesma geraria. Quando o escândalo eclodiu, o dólar disparou de R$3,13 para R$3,39 em um dia  e a empresa lucrou mais de R$300 milhões em operações suspeitas.

O “too big to fail” da carne

Mesmo depois do escândalo, a JBS sobreviveu. E não apenas sobreviveu – cresceu ainda mais. A empresa usou sua escala global para mitigar os impactos da crise no Brasil e continuou sua expansão no exterior.

O motivo? Ela se tornou grande demais para quebrar. Com operações em mais de 20 países e exportações massivas para os mercados asiático e americano, a JBS se tornou um ativo estratégico para a economia brasileira. Qualquer tentativa de punição severa poderia ter repercussões globais, impactando a cadeia de fornecimento de carne e prejudicando um setor vital para o país.

A crise também forçou a empresa a se reinventar. Em meio ao caos regulatório e à perda de credibilidade no Brasil, a JBS redobrou seus esforços no exterior, apostando em aquisições e no crescimento de suas operações internacionais. Dessa forma, conseguiu minimizar a dependência do mercado brasileiro e fortalecer sua posição como uma multinacional consolidada.

Além disso, a empresa conseguiu reduzir sua dependência do Brasil e se tornar uma multinacional consolidada. Hoje, menos de 30% da receita da JBS vem do Brasil, enquanto os Estados Unidos respondem por mais da metade do faturamento.

Mesmo após o escândalo, a empresa continuou expandindo:

2018: Comprou a Empire Packing nos EUA (US$ 238 milhões).

2021: Fechou a compra da Vivera na Europa (US$ 410 milhões).

2022: Inaugurou a planta de produção de carne cultivada na Espanha.

2023: Expandiu para proteínas alternativas, investindo em carne vegetal e proteínas cultivadas.

A JBS se reinventou. Os irmãos Batista perderam o controle direto, mas continuam bilionários e influentes no setor.

A empresa hoje está consolidada, mas o rastro de escândalos, prisões e investigações ainda paira sobre sua história. O modelo de “campeão nacional” que a impulsionou ruiu, e o BNDES hoje evita operações tão agressivas quanto as feitas na era dos Batista.

No fim, a JBS se tornou o maior império da carne do mundo – mas a um custo que o Brasil ainda está pagando.

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