Como Fabricio Bloisi saiu de uma startup de SMS para assumir a Prosus, holding de €110 bilhões que investe em Tencent, OLX, Creditas, iFood e agora quer virar uma gigante de US$200 bi

Quando a Prosus anunciou, em 2024, que Fabricio Bloisi seria o novo CEO global da holding, o mercado europeu reagiu com frieza, ações chegaram a recuar 3% em Amsterdã. Um nome desconhecido fora do Brasil, vindo de uma operação de delivery na América Latina, assumiria uma das maiores investidoras em tecnologia do mundo, mas quem conhece Bloisi há mais tempo sabe que ele nunca operou com metas modestas.
Aos 21 anos, fundou a Movile, no interior de São Paulo, com a tese de que a internet móvel mudaria a forma como as pessoas se comunicavam. Dez anos depois, investiu no iFood, que ainda era uma startup com 20 funcionários e transformou a empresa na maior plataforma de delivery da América Latina, com mais de 110 milhões de pedidos mensais.
Agora, comanda uma holding avaliada em €110 bilhões, dona de participações relevantes em Tencent, OLX, Delivery Hero, Meituan, Creditas, Sympla, entre outras. E já deixou claro seu próximo passo: dobrar o valor da Prosus para US$200 bilhões.
A tese? Parar de investir em minorias e começar a operar como uma big tech.
De Salvador a Campinas: os primeiros passos
Nascido em Salvador em 1977, Fabricio se mudou aos 17 anos para cursar ciência da computação na Unicamp, em Campinas. Com um perfil técnico e foco em execução, começou a trabalhar com desenvolvimento de sistemas ainda na graduação. Em 1998, fundou a Intraweb, que mais tarde se tornaria a Movile, com o objetivo inicial de prestar serviços corporativos e soluções de comunicação.
Na virada dos anos 2000, com a explosão da telefonia no Brasil, Fabricio Bloisi percebeu que o celular, ainda sem internet de verdade, podia ser uma nova plataforma de distribuição em massa.
Com isso, pivotou o modelo da Movile para um negócio B2B2C: vendia conteúdos digitais via SMS e WAP, como ringtones, jogos Java, piadas e horóscopos, integrando-se diretamente às operadoras de telefonia. A Movile cuidava do conteúdo, da tecnologia e da cobrança, enquanto Claro, Vivo e TIM distribuíam os produtos para suas bases de milhões de clientes.
O modelo funcionava com margens altas e custo de aquisição quase zero: os produtos da Movile vinham embutidos em portais de entretenimento das operadoras, e o pagamento era descontado direto na fatura do celular.
Nos bastidores, a empresa virou um motor invisível de monetização digital, abastecendo dezenas de operadoras e criando um ecossistema próprio de conteúdo móvel. Em menos de cinco anos, a Movile se tornou líder na América Latina nesse segmento.
A aposta no iFood e o salto para o mobile commerce
Em 2013, a Movile buscava novos caminhos de crescimento. O mercado de conteúdo via SMS começava a perder fôlego com a popularização dos smartphones, e Bloisi decidiu reposicionar a empresa como um grupo de tecnologia com foco em mobile commerce.
Foi nesse contexto que conheceu os fundadores do iFood, então uma startup paulistana com menos de 20 funcionários e cerca de 20 mil pedidos por mês. A Movile decidiu liderar a primeira rodada institucional da empresa, com um aporte de R$5,5 milhões.
Mais do que capital, Bloisi trouxe disciplina de execução, tecnologia, estrutura de gestão e ambição. A partir dali, a Movile se tornou controladora da operação, colocando o iFood no centro da sua estratégia.
O crescimento foi exponencial. Entre 2013 e 2020, o iFood multiplicou por 1.000 o número de pedidos mensais, comprou concorrentes como SpoonRocket, PedidosJá e Domicilios.com, e se tornou a maior foodtech da América Latina, com presença em mais de mil cidades e liderança absoluta no Brasil.
Em janeiro de 2020, Fabricio Bloisi assumiu o cargo de CEO do iFood. Na época, a empresa registrava mais de 30 milhões de pedidos por mês, mas ainda não gerava caixa. Sob sua gestão, o foco passou a ser logística, inteligência artificial e novos verticais, como farmácia, mercado e serviços financeiros para entregadores e restaurantes.
Quando Bloisi deixou a presidência executiva, em 2023, o iFood já operava com mais de 75 milhões de pedidos por mês, gerava lucro operacional e movimentava uma cadeia de mais de 300 mil restaurantes, 200 mil entregadores e 40 milhões de usuários ativos.
A foodtech, que começou como uma aposta paralela da Movile, havia se transformado no principal ativo da holding — e num case global de escala e execução no setor de delivery.
Como a Prosus entrou no jogo
A história da Prosus com Fabricio Bloisi começou bem antes do anúncio da sua nomeação como CEO global. Em 2008, a Movile recebeu seu primeiro cheque institucional da Naspers, conglomerado sul-africano que, na época, já era um dos maiores investidores em internet do mundo, com participações bilionárias na Tencent (dona do WeChat) e em outras empresas de crescimento acelerado na Ásia e na Europa.
A entrada no Brasil foi discreta, mas cirúrgica. A Movile entregava margem, execução e escala. Operava num setor pouco glamouroso, mas com profundidade técnica e penetração nacional. Para a Naspers, que buscava negócios de tecnologia com tração em mercados emergentes fora do eixo EUA-China, a Movile encaixava no modelo.
Nos anos seguintes, a relação se aprofundou. A Naspers se tornou fiadora do projeto iFood e se tornou uma espécie de sócia invisível na construção do maior ecossistema de mobile commerce da América Latina. Foi ela quem bancou o ciclo agressivo de investimentos entre 2013 e 2022, aquisições, expansão de logística própria, algoritmos de roteirização, verticais de farmácia, mercado e fintech. A cada rodada, o capital vinha da África do Sul e a operação era tocada por Bloisi.
Em 2019, a Naspers reorganizou seu portfólio global de tecnologia sob um novo guarda-chuva: a Prosus, holding baseada em Amsterdã, criada para listar em bolsa suas participações fora da África do Sul. A Movile passou a fazer parte formal da Prosus, ao lado de ativos como OLX, PayU, Delivery Hero e Meituan.
A partir dali, o fluxo se intensificou e a Prosus passou a liderar diretamente os aportes no iFood. Foram mais de US$2 bilhões investidos entre 2016 e 2022, capital que financiou a expansão e a liderança absoluta no Brasil.
O movimento decisivo veio em agosto de 2022. A Prosus comprou os 33,3% restantes do iFood, que ainda estavam nas mãos da Just Eat Takeaway, por €1,8 bilhão. Com isso, assumiu 100% do capital e consolidou o controle da operação.
Na prática, o iFood virou o maior ativo da Prosus na América Latina e o terceiro maior investimento individual do grupo, atrás apenas da Tencent e da Delivery Hero. Fabricio Bloisi, por sua vez, consolidou sua posição como o executivo de maior influência no ecossistema da holding.
O plano de US$200 bilhões
Em 2023, a sucessão na Prosus foi tratada com a mesma frieza que caracteriza o mercado europeu. Bob van Dijk, CEO desde 2014, deixou o cargo após anos de críticas à gestão passiva de um portfólio que crescia em valor, mas não em coerência. A empresa precisava de uma tese nova — e escolheu um nome fora do script: Fabricio Bloisi.
A nomeação pegou o mercado de Amsterdã no contrapé. Um executivo brasileiro, vindo de uma operação de delivery, assumiria o comando de uma holding avaliada em mais de €100 bilhões. O ceticismo inicial derrubou as ações em 3%. Mas a leitura externa ignorava o que, internamente, já era consenso: ninguém dentro do grupo conhecia tão bem o portfólio quanto Bloisi. Ninguém tinha entregue tanto resultado em tão pouco tempo.
Desde que assumiu, o novo CEO tenta fazer com a Prosus o que fez com a Movile. Acabar com estruturas soltas, cortar gordura e transformar uma coleção de ativos em uma operação com direção. O discurso de investor relations mudou. O modelo de governança mudou. E, principalmente, a ambição mudou.
Bloisi quer parar de operar como um fundo e começar a construir uma empresa. As primeiras decisões internas caminham nessa direção. Times que antes operavam isolados passaram a compartilhar tecnologia, dados e talentos. Startups do portfólio começaram a testar integrações em logística, pagamentos e identidade digital. Em vez de comprar para diversificar, a Prosus quer conectar para escalar.
O plano foi anunciado com todas as letras: transformar a holding em uma big tech global. Dobrar seu valor de mercado para US$200 bilhões e usar os ativos em mercados emergentes como base para um novo tipo de conglomerado digital — descentralizado, mas orquestrado.
O mercado ainda observa com reservas. A transformação que Bloisi propõe exige reverter uma cultura de anos, enfrentar conselhos conservadores e reprecificar o valor das empresas com base em sinergias que ainda estão no papel. Mas, aos poucos, a narrativa começa a mudar. Os relatórios trimestrais ficaram mais densos. O guidance passou a incluir métricas operacionais. E o CEO brasileiro, antes visto como aposta exótica, virou o principal porta-voz da tese de reestruturação da Prosus.
O reconhecimento mais visível veio esse mês, quando Bloisi foi homenageado como Person of the Year pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em Nova York. No palco, diante de banqueiros e investidores, ele não falou sobre legado — falou sobre ambição. Relembrou o mural de metas do iFood, onde cada colaborador escrevia um sonho com uma data. E deixou claro qual é o próximo: transformar a Prosus em uma empresa de US$200 bilhões. Com data marcada.
Ainda é cedo para saber se o plano vai vingar. Mas, ao contrário do que se pensava em Amsterdã, não se trata de uma aposta ousada demais. Para quem conhece a trajetória de Bloisi, seria estranho se fosse outra coisa.