
SÃO PAULO — O caso do Banco Master escancarou um desconforto antigo do sistema financeiro: mesmo uma instituição média, longe dos holofotes e praticamente desconhecida do público, pode se transformar num vetor de risco sistêmico e mobilizar o alto comando do mercado.
Entre 2019 e 2024, o banco multiplicou por quase trinta vezes sua carteira de crédito, passando de R$1,4 bilhão para mais de R$40 bilhões. Sustentado por uma estratégia agressiva de captação via CDBs de alto rendimento e forte exposição a precatórios, que tem baixa liquidez e alto risco fiscal, o Master até opera com lucros, mas sobre uma fundação de ativos ilíquidos e custo de funding elevado.
A combinação despertou a atenção do Banco Central, do FGC e dos principais players do setor. A partir de 2023, cresceu a pressão de reguladores e do mercado por uma solução: ou o banco se capitalizava, ou seria vendido.
A primeira proposta de aquisição supostamente veio do BTG Pactual, uma oferta de R$1, um valor simbólico, mas com disposição de arcar com o risco e explorar os ativos judiciais do banco, especialmente a carteira de precatórios. Mas foi o BRB (Banco Regional de Brasília) quem formalizou a proposta vencedora onde se propôs pagar até R$2 bilhões por 58,6% do Banco Master, em uma operação condicionada à auditoria e ainda sujeita à aprovação do Banco Central.
O Master, até então discreto, virou protagonista de um enredo que envolve reuniões emergenciais com o BC, divergência entre os grandes bancos privados e articulações políticas em torno de uma operação que pode consumir até 40% do caixa do FGC.
Quem é o Banco Master?

O Banco Master não é exatamente novo, mas sua relevância no sistema financeiro é recente. Fundado há mais de cinco décadas como Banco Máxima, a instituição passou por uma reestruturação completa em 2021, quando adotou o novo nome e uma nova estratégia, sob a liderança de Daniel Vorcaro.
A partir daí, o Master passou a operar com foco na captação de varejo, oferecendo CDBs com taxas acima da média de mercado, em alguns casos, bem acima. Em 2024, os ativos totais saltaram de R$36,1 bilhões para mais de R$63 bilhões, um avanço de 74% em doze meses. O lucro líquido acompanhou o ritmo e dobrou no período, de R$532 milhões para R$1,068 bilhão.
Um modelo que parecia funcionar — até parar de funcionar
Todo esse crescimento foi sustentado por uma lógica simples: captar caro e emprestar ainda mais caro. O banco oferecia CDBs com rentabilidades de até 140% do CDI — em um mercado em que bancos grandes remuneravam a 100%, no máximo 110%. Essa diferença de prêmio trouxe uma multidão de investidores pessoa física, principalmente via plataformas digitais, muitos deles atraídos pela chancela do FGC.
Do outro lado do balanço, o banco alocava esses recursos em duas frentes: crédito consignado para servidores públicos, um mercado com margens apertadas, e, principalmente, precatórios. Segundo executivos que acompanharam a operação por dentro, até 2023 quase metade da carteira de crédito do banco estava vinculada a precatórios federais e estaduais, boa parte ainda sem trânsito em julgado ou com pagamento incerto.
Com essa estratégia, o Master conseguiu crescer sem depender de grandes linhas de crédito interbancárias ou funding institucional. Mas criou, em paralelo, uma fragilidade estrutural, os passivos eram curtos, caros e voláteis; os ativos, longos, incertos e ilíquidos.
O lucro anual bilionário de 2024 impressiona, mas o número tem nuances. Parte expressiva do resultado vem da marcação de ativos a valor de face — prática comum, mas que, em casos como os precatórios, pode inflar artificialmente o balanço. O mesmo vale para operações com fundos de direitos creditórios (FIDCs), em que o risco permanece com o originador, mas os ativos são registrados fora do balanço principal.
Quando o risco deixou de ser apenas contábil
Nos bastidores, o Banco Central vinha acompanhando a escalada do risco com crescente preocupação. Ainda em 2023, técnicos da supervisão do BC passaram a monitorar com mais cuidado a liquidez do banco. O FGC, por sua vez, já havia mapeado que uma liquidação forçada do Master exigiria algo entre R$35 bilhões e R$45 bilhões em cobertura — o que drenaria mais de um terço do caixa disponível do fundo, estimado hoje em R$107,8 bilhões.
A gravidade do cenário não era apenas técnica. O perfil dos investidores — em sua maioria clientes de varejo, com tíquetes de até R$250 mil — transformava o caso em uma bomba política. Um calote, ainda que temporário, poderia levar a uma corrida por saques em bancos médios e fintechs, derrubando a confiança no segmento mais frágil do sistema bancário brasileiro.
Diante disso, começou uma corrida contra o tempo para encontrar uma solução de mercado.
O BTG ofereceu R$ 1?

Segundo diversos jornais, o BTG Pactual teria feito uma oferta simbólica de R$1 pelo controle do banco, assumindo o risco judicial da carteira de precatórios e, com ajuda do FGC, ele estruturaria uma operação de salvamento, evitando a liquidação. Em troca, o BTG passaria a deter um portfólio que, mesmo com risco elevado, poderia render retornos relevantes — estimativas indicam que só a carteira de precatórios do Master, em valor de face, pode ultrapassar os R$20 bilhões.
Alguns relatos de bastidores, mostraram que a proposta pode ter esbarrado em dois fatores: imagem e controle. Vorcaro relutava em aceitar a venda por um valor simbólico, que poderia ser lido como confissão de insolvência. Além disso, o acordo previa ingerência direta do BTG sobre os ativos do banco, o que esvaziaria por completo a gestão atual.
A operação do BRB: política, risco e oportunidade

Enquanto o BTG esperava o avanço de negociações com apoio de bancos grandes — já que a proposta previa injeção emergencial de liquidez via FGC — o BRB apareceu com uma proposta alternativa. Oficializada em 28 de março de 2025, a proposta do banco estatal previa o pagamento de até R$2 bilhões por 58,6% do capital do Master, sendo 49% das ações ordinárias e 100% das ações preferenciais. A operação foi estruturada com prazo de seis anos para pagamento, condicionada a auditoria e excluindo da transação os ativos ilíquidos mais arriscados, como os precatórios e parte dos FIDCs.
No papel, a proposta do BRB era mais robusta. Mas levantou questionamentos imediatos sobre motivação, governança e riscos potenciais. O banco é controlado pelo governo do Distrito Federal e presidido por Paulo Henrique Costa, ex-Banco do Brasil, homem de confiança do governador Ibaneis Rocha (MDB). Segundo fontes de mercado, parte da diretoria técnica do BRB demonstrou resistência à aquisição, mas a decisão avançou com respaldo político direto do Palácio do Buriti.
A proposta prevê o pagamento escalonado de até R$2 bilhões, diluído ao longo de seis anos, e está condicionada a uma auditoria detalhada nos ativos adquiridos. Ficaram de fora da operação os principais elementos de risco do balanço: precatórios em tramitação e fundos de direitos creditórios com baixa liquidez. O BRB também exigiu a separação jurídica das entidades adquiridas — Master, Will Bank e corretora, por exemplo — em estruturas distintas, blindando riscos cruzados.
Ao fim, o BRB assumiu a parte “bancável” da operação: estrutura tecnológica, canais de distribuição, a carteira de crédito consignado e o relacionamento com o Will Bank — banco digital do grupo com mais de 6 milhões de clientes. Internamente, a aposta é que o braço digital tenha potencial de expansão nacional, com tecnologia madura e presença crescente nas plataformas digitais.
Enquanto isso, R$23 bilhões em ativos de risco seguem sob o guarda-chuva do Master original. Com a separação, a instituição deverá funcionar como uma espécie de “bad bank” informal: sem operação corrente, dedicada exclusivamente à monetização judicial desses ativos ao longo do tempo.
Nos bastidores, a leitura é de que o governo do Distrito Federal busca posicionar o BRB como protagonista nacional em tecnologia bancária, mesmo que isso signifique correr riscos considerados elevados por instituições privadas.
O Banco Central pode barrar?

Sim. A autoridade monetária tem poder de veto sobre operações societárias no sistema financeiro nacional. Mais do que isso, pode condicionar a autorização à apresentação de garantias adicionais, reforço de capital ou ajustes na governança.
Fontes próximas à autarquia indicam que há grande desconforto com a exposição pública da operação e com a forma como ela foi conduzida. O temor é de que uma eventual deterioração da carteira do Master — caso ocorra após a venda — recaia sobre o BRB, comprometendo recursos públicos.
Risco sistêmico? Ainda não. Mas o precedente preocupa.
O modelo e o problema
O caso do Banco Master não é isolado. Ele simboliza uma tendência que se espalhou no pós-pandemia: a multiplicação de bancos médios e plataformas de crédito operando no limite da alavancagem, captando recursos com promessas agressivas de retorno, alavancando via FIDCs e ignorando os fundamentos prudenciais tradicionais.
Em tempos de juros altos, esses modelos crescem rápido. Mas, se o funding encolhe ou a inadimplência sobe, o castelo de cartas desaba. Foi assim com outros bancos médios nos anos 90, no pós-Real. A diferença, agora, é que a exposição ocorre via produtos pulverizados — CDBs vendidos a investidores de varejo com a promessa de segurança.
O que está em jogo agora não é só o futuro do Master ou o preço pago pelo BRB. É a reputação do sistema, a confiança nas emissões bancárias e o papel do Banco Central como guardião do risco sistêmico.
A história ainda não acabou. Mas o roteiro, para quem acompanha o mercado de perto, é inquietantemente familiar.