Granja Faria Compra a Americana Hillandale por US$1,1 bilhão e Dobra sua Produção Global

Em menos de dois meses, o mercado global de ovos viveu dois dos maiores movimentos de consolidação de sua história. Em fevereiro, a JBS anunciou a compra de 50% da Mantiqueira Alimentos, maior produtora de ovos do Brasil, por R$950 milhões. Agora, foi a vez da Granja Faria se movimentar, o grupo brasileiro comandado por Ricardo Faria, atravessa fronteiras com sua holding, a Global Eggs e acaba de comprar a gigante americana Hillandale Farms, por US$1,1 bilhão. A transação dobra o tamanho da companhia e marca a entrada do “Rei do Ovo” em um dos maiores mercados consumidores do mundo.

O negócio, que foi revelado por Faria ao Financial Times, marca um novo capítulo na expansão internacional do empresário brasileiro que começou com uma lavanderia industrial e hoje controla 10% do mercado nacional de ovos, com uma produção anual de 5 bilhões de unidades.

A operação foi conduzida pela Global Eggs — braço internacional da Granja Faria — e contará com um investimento do BTG Pactual, que aportará US$300 milhões em troca de uma participação de 11% na holding global.

O acordo foi fechado com a família Bethel, fundadora da Hillandale, mas ainda depende de aprovação regulatória. O movimento ocorre em um momento de alta na demanda por ovos e de pressão sobre a oferta nos Estados Unidos, causada principalmente por surtos recorrentes de gripe aviária, que forçaram o abate de milhões de aves. 

A Hillandale, com sede na Pensilvânia, é uma das maiores produtoras de ovos dos EUA e será a peça-chave para acelerar a expansão da Global Eggs nos mercados desenvolvidos.

Ricardo Faria

A história de Ricardo Faria começou longe do agronegócio. Em 1997, fundou a Lavebras, uma pequena confecção de uniformes industriais. Dois anos depois, criou um modelo inovador ao oferecer aluguel e lavagem de uniformes para frigoríficos. A solução trouxe receita recorrente, fidelizou clientes e multiplicou suas margens de lucro em dez vezes.

O negócio prosperou e em 2013, Edson Bueno, fundador da Amil, comprou 30% da Lavebras por cerca de R$120 milhões. Com esse capital, Faria acelerou, fez 30 aquisições em 36 meses, elevou o faturamento para R$500 milhões e vendeu a empresa em 2017 ao grupo francês Elis, por R$1,3 bilhão.

Enquanto ainda tocava a Lavebras, Faria fundou, em 2006, a Granja Faria, focada na produção de ovos férteis. A expansão veio rápido, em 2008 fechou um contrato com a BRF para fornecimento de ovos a grandes frigoríficos e, em 2012, firmou uma parceria para frango de corte com a Tyson, que mais tarde foi adquirida pelo grupo JBS.

Após a venda da Lavebras e capitalizado, Ricardo voltou 100% da sua atenção para o mercado de ovos. Entre 2019 e 2024, o grupo realizou 15 aquisições, incluindo nomes como a Lana Alimentos, a Katayama Alimentos, líder de mercado no estado de São Paulo​, a BL Ovos, então quinta maior produtora de ovos comerciais do Brasil, com um plantel de 3 milhões de galinhas e produção de 2 milhões de ovos por dia​, e a Vitagema. O investimento total somou mais de R$1,5 bilhão. Em paralelo, diversificou o portfólio com a marca Ares do Campo, focada em ovos caipiras e premium — uma resposta ao consumidor de maior renda e à demanda por bem-estar animal. 

Em novembro de 2024, por meio da holding Global Eggs, a empresa deu seu primeiro passo internacional ao comprar o Grupo Hevo, um dos maiores produtores de ovos da Espanha, por €120 milhões.

A estrutura cresceu e hoje conta com 25 unidades produtivas no Brasil, exportações para 17 países, uma produção diária de 16 milhões de ovos e cerca de 10% do mercado nacional, sendo a segunda maior do Brasil, atrás apenas da Mantiqueira. A receita anual atingiu R$1,8 bilhão, com lucro de R$200 milhões em 2023 e exportações de R$132 milhões no mesmo ano.

Uma holding verticalizada e integrada

Um dos diferenciais do império construído por Faria é o grau de verticalização. A Granja Faria atua em toda a cadeia: do ovo à ração, passando por logística própria, controle sanitário, genética e sustentabilidade.

Em 2021, o empresário comprou a Insolo, por R$1,8 bilhão. Com 180 mil hectares plantados e faturamento de R$1 bilhão, a empresa é a quinta maior produtora de grãos do Brasil, cultivando soja, milho e sorgo. A ideia da aquisição era garantir o fornecimento de insumos e reduzir a exposição a choques e variações de preços. Cerca de 70% dos custos na avicultura vem da ração, então ter produção própria equilibra custos do ponto de vista do acionista.​

Ricardo também fundou a Fertifar, que transforma o esterco das galinhas em 100 mil toneladas anuais de adubo orgânico, utilizado nas próprias lavouras da Insolo. Ou seja, os grãos cultivados pela Insolo alimentam as galinhas; as galinhas produzem ovos e esterco; e o esterco volta como fertilizante para as lavouras. Com esses investimentos, o grupo se tornou bastante autossuficiente em insumos críticos.

Por que a Hillandale importa?

Fundada em 1958, a Hillandale Farms é a quarta maior produtora de ovos dos Estados Unidos, conta com cerca de 18,8 milhões de galinhas poedeiras e uma presença relevante no varejo e atacado, em redes de supermercados e no fornecimento institucional. Sua incorporação dobra a escala da Global Eggs e, mais importante, abre acesso direto ao mercado americano de ovos in natura, um segmento historicamente fechado para produtos estrangeiros.

Até janeiro de 2025, a entrada de ovos brasileiros nos EUA era restrita a usos industriais e à produção de ração, devido a exigências sanitárias rigorosas. O consumo direto seguia, na prática, inacessível a exportadores estrangeiros. A Hillandale contorna essa barreira com sua estrutura regulatória já estabelecida, rede de distribuição consolidada e marcas conhecidas do público americano.

A compra ocorre em um momento de vulnerabilidade da indústria local. Surtos recorrentes de gripe aviária comprometeram a oferta nos últimos meses, elevaram os preços e criaram um vácuo no abastecimento de grandes redes. Embora as exportações brasileiras tenham crescido 93% em fevereiro, segundo dados da ABPA, a maior parte desse volume ainda não chega às prateleiras.

A Granja Faria entra por dentro do sistema, com produção local, escala e acesso direto ao consumidor. Em um setor cada vez mais pressionado por exigências de rastreabilidade, bem-estar animal e estabilidade no fornecimento, a operação da Hillandale oferece boa base para criar presença em um dos mercados mais estratégicos do mundo.

A lógica da por trás da internacionalização

Em entrevista ao Financial Times, Ricardo Faria resumiu a lógica do negócio: “Os americanos adoram ovos. É um mercado com alto consumo. E os ovos deixaram de ser um alimento de baixa renda para se tornarem um símbolo de saúde.”

O empresário tem razão, estudos de mercado mostram que o consumo per capita de ovos nos EUA ultrapassou 280 unidades por ano — número alto mesmo para padrões globais, no Brasil esse número é de 260 unidades. A busca por dietas com mais proteína e menos carboidrato, aliada à queda no consumo de carne vermelha, impulsionou a demanda e tornou o ovo um protagonista nas dietas.

Nesse contexto, a estratégia de Ricardo Faria é usar a força produtiva construída no Brasil e na Europa para criar uma rede de abastecimento integrada, com presença local nos maiores mercados, marcas fortes, acesso direto ao varejo e controle de custo em escala global.

O próximo passo: Wall Street

A estrutura da Global Eggs — com sede no exterior e governança internacionalizada — também sinaliza a ambição de um IPO em Nova York, que deve ocorrer nos próximos anos, segundo o próprio Faria. A entrada do BTG como sócio minoritário reforça esse plano, trazendo uma âncora financeira e institucional importante para os mercados globais.

O setor ainda é altamente pulverizado, com milhares de pequenos produtores em cada país. A visão de Faria é replicar, com ovos, o que a JBS fez com a carne, consolidar, padronizar, escalar e liderar. O investimento do BTG Pactual, com 11% da nova holding, reforça essa ambição. E indica que o mercado já começou a precificar a internacionalização como realidade — não como promessa.

Segundo estimativas recentes, o conglomerado de empresas controlado por Faria já ultrapassa os R$17 bilhões em valor.