
SÃO PAULO —Ícone do setor de produtos de limpeza no Brasil, a Bombril enfrenta um dos momentos mais críticos desde sua fundação em 1948. Com uma dívida total de R$2,3 bilhões, a companhia entrou com um pedido de recuperação judicial no último dia 10, buscando evitar um colapso financeiro. A decisão veio após autuações fiscais milionárias e um acúmulo crescente de obrigações com fornecedores e credores.
O pedido de recuperação judicial envolve R$332,8 milhões em dívidas operacionais, enquanto o restante da dívida está concentrado em autuações fiscais contestadas pela Receita Federal. O impacto desse processo é significativo, atingindo especialmente o setor bancário. Entre os maiores credores estão Itaú (R$18,2 milhões), Banco Paulista (R$16,6 milhões), Santander (R$16,5 milhões), Daycoval (R$16,3 milhões), ABC (R$9,1 milhões) e Sofisa (R$9 milhões).
A crise da Bombril não é recente, mas atinge agora seu ponto mais delicado. O pedido de proteção judicial visa reorganizar as finanças da empresa, que há anos luta para manter sua competitividade diante de concorrentes como Unilever e Ypê.
Mas como a líder no mercado de lã de aço, cuja marca virou sinônimo do produto no Brasil, chegou a essa situação?
O Nascimento de um Ícone

A história da Bombril começou em 14 de janeiro de 1948, quando o empresário Roberto Sampaio Ferreira fundou a empresa em São Paulo. Inspirado pela necessidade de um produto mais eficiente para limpar panelas de alumínio, ele desenvolveu uma lã de aço de alta qualidade e começou a vendê-la sob a marca Bombril.
Rapidamente, o produto ganhou aceitação no mercado e se tornou um item indispensável nos lares brasileiros. O sucesso foi impulsionado por campanhas publicitárias marcantes, incluindo os icônicos comerciais estrelados pelo ator Carlos Moreno, que se tornou o garoto-propaganda da marca por mais de 30 anos.
Durante as décadas seguintes, a Bombril diversificou seu portfólio, lançando produtos como Sapólio Radium, Limpol e Mon Bijou.
Os Anos de Expansão e a Entrada do Capital Estrangeiro

Nos anos 1990, a empresa da palha de aço passou por mudanças profundas e entrou em um período de turbulência que teria impactos duradouros. Em 1990, foi adquirida pela italiana Ferruzzi, um conglomerado agroindustrial que, na época, buscava diversificar seus negócios e viu potencial no setor de limpeza doméstica no Brasil. No entanto, a Ferruzzi logo se viu envolvida em uma crise financeira e, em 1991, o controle da Bombril foi repassado para o grupo Cragnotti & Partners, liderado pelo empresário Sergio Cragnotti.
Cragnotti era um financista conhecido na Itália por sua atuação agressiva no mercado de capitais e por sua estratégia de alavancagem financeira. Ele controlava uma série de empresas, incluindo a Cirrio (uma gigante do setor alimentício), Parmalat e o Lazio, um dos maiores clubes de futebol da Itália. Sua gestão na Bombril seguiu o mesmo padrão: grandes ambições e alto endividamento.
A estratégia agressiva de Cragnotti
A nova administração enxergava a Bombril como um trampolim para expandir sua presença na América Latina. Para isso, iniciou um processo de internacionalização, investindo na criação de subsidiárias em países como Argentina e Chile. Paralelamente, promoveu uma diversificação do portfólio da companhia, investindo no segmento de embalagens plásticas e produtos de limpeza automotiva.
Para financiar essa estratégia, a Bombril passou a recorrer a emissões de dívida no exterior, captando recursos em dólares e adquirindo ativos fora do Brasil. Foi nesse contexto que a empresa começou a comprar grandes quantidades de T-Bills (Treasury Bills), títulos do Tesouro dos Estados Unidos.
A justificativa oficial da Bombril era que os T-Bills ajudariam na proteção contra a volatilidade cambial, servindo como um hedge contra as oscilações do real. No entanto, as operações foram estruturadas através de offshores em paraísos fiscais, o que levantou suspeitas de que se tratava, na realidade, de um esquema para reduzir artificialmente o pagamento de impostos no Brasil.
A Crise da Cragnotti & Partners e o Colapso da Bombril
O problema se agravou quando o império de Cragnotti começou a desmoronar na Itália. No início dos anos 2000, sua holding Cirio colapsou em um escândalo financeiro que envolveu fraudes contábeis, emissão de títulos sem lastro e uma dívida acumulada de 4 bilhões de euros. O caso levou Cragnotti à prisão e destruiu a credibilidade de suas empresas.
Esse colapso repercutiu diretamente na Bombril. A empresa ficou sem suporte financeiro da matriz e teve que lidar com um passivo crescente no Brasil. Sem os aportes da Cragnotti & Partners, a Bombril começou a enfrentar dificuldades para pagar fornecedores, manter operações e honrar compromissos com credores.
Além disso, com a falência do grupo Cragnotti na Itália, as autoridades brasileiras passaram a investigar as operações da Bombril com T-Bills, e a Receita Federal alegou que a empresa utilizou as transações para ocultar receitas e pagar menos impostos no Brasil.
Diante do caos, a Bombril foi vendida novamente para investidores brasileiros nos anos 2000. A nova gestão tentou recuperar a companhia, reduzindo custos e focando em seu portfólio tradicional de produtos de limpeza. No entanto, o passivo tributário acumulado na gestão italiana continuava pesando.
A Multa Bilionária e a Disputa com a Receita Federal

A situação financeira da Bombril começou a se deteriorar de forma irreversível após uma disputa com a Receita Federal. Em 2004, a Receita concluiu que as operações com T-Bills, realizadas entre 1998 e 2001 foram utilizadas de forma abusiva e autuou a Bombril em mais de R$ 2 bilhões, entre impostos devidos, multas e juros.
A principal controvérsia envolve a compra de T-Bills (Treasury Bills), títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Esses papéis são usados por empresas e governos como um meio seguro de investimento, mas no caso da Bombril, a Receita Federal entendeu que as operações tinham um propósito exclusivamente fiscal, configurando um planejamento tributário abusivo.
A Bombril, realizou a compra dos T-Bills através de empresas offshore, localizadas em paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman e Luxemburgo. A justificativa oficial era a otimização de caixa da empresa e a proteção cambial, já que os títulos do Tesouro americano são considerados de baixo risco e alta liquidez. No entanto, a Receita Federal alegou que a Bombril utilizou essas transações para reduzir artificialmente o pagamento de impostos no Brasil, redirecionando lucros para essas holdings no exterior e declarando um volume menor de receita tributável no país.
Em termos práticos, a empresa argumentou que as transações eram legítimas e seguiam estratégias comuns de grandes multinacionais. No entanto, a Receita Federal viu um desvio de finalidade, alegando que a empresa não tinha atividades reais nos países onde as transações eram feitas, e que os lucros gerados eram artificialmente deslocados para evitar tributação.
O fisco brasileiro enquadrou essas operações como uma forma de evasão fiscal e aplicou autuações superiores a R$2 bilhões, que, ao longo dos anos, se transformaram em uma dívida bilionária devido a juros e multas. A Bombril recorreu por mais de duas décadas, contestando a decisão na esfera administrativa e judicial, mas perdeu a disputa nos tribunais superiores, sendo obrigada a reconhecer a dívida em seus balanços.
Essa autuação fez com que a empresa perdesse credibilidade no mercado financeiro e tivesse dificuldades em acessar novas linhas de crédito. Além disso, a dívida tributária comprometeu seu fluxo de caixa, tornando a recuperação financeira cada vez mais desafiadora.
A empresa recorreu ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e posteriormente a Justiça, mas após anos de recursos e tentativas judiciais de reverter as cobranças, a Bombril perdeu as disputas e foi obrigada a reconhecer a dívida bilionária, comprometendo suas finanças de forma crítica.
Além disso, a empresa acumula R$332,8 milhões em dívidas com fornecedores e credores, dificultando sua operação e pressionando ainda mais seu fluxo de caixa.
A Recuperação Judicial e o Futuro da Bombril
Com a situação se tornando insustentável, a Bombril decidiu entrar com um pedido de recuperação judicial para evitar uma falência. O processo permitirá que a empresa apresente um plano de reestruturação, no qual negociará prazos, buscará a renegociação de passivos e tentará preservar suas operações.
O desafio, no entanto, é enorme. O mercado de produtos de limpeza está cada vez mais competitivo, com gigantes como Unilever, Ypê e Procter & Gamble dominando segmentos como detergentes, desinfetantes e amaciantes. Para sobreviver, a Bombril precisará mais do que um ajuste financeiro: será necessário um reposicionamento estratégico, modernização operacional e recuperação de sua participação de mercado.
Atualmente, a Bombril ainda mantém um faturamento expressivo, tendo registrado R$1,54 bilhão em receita líquida durante 2024. No entanto, a alta receita não se traduziu em sustentabilidade financeira. O lucro líquido da empresa foi de R$56,4 milhões no mesmo período, enquanto o EBITDA alcançou R$240 milhões. Esses números mostram que, apesar da crise, a empresa ainda possui capacidade operacional relevante.
A grande questão agora é se a Bombril conseguirá transformar essa recuperação judicial em uma virada real para seus negócios. A marca, terá que demonstrar que ainda possui força no mercado e que pode superar sua pior crise em mais de sete décadas de existência.