De granja em granja, Ricardo Faria vira potência global

Nesta terça-feira, a Global Eggs, holding internacional controlada por Faria, anunciou a compra da granja espanhola Legaria, uma operação regional com 350 mil aves que será incorporada à estrutura da Hevo, adquirida no fim de 2024 por €120 milhões.

O movimento, pequeno em volume, vem um dia depois da conclusão oficial da compra da americana Hillandale Farms por US$1,1 bilhão e ajuda a montar o quebra-cabeça de uma tese que começa a se tornar visível no mapa global: somando a operação brasileira da Granja Faria com os ativos internacionais da holding Global Eggs, Ricardo opera mais de 35 milhões de galinhas poedeiras e sobe para o 3º lugar no ranking mundial de maiores produtores de ovos, atrás apenas da Cal-Maine (EUA) e da mexicana PROAN.

O dado vem da WATT Global Media, que posicionava a Granja Faria na 11ª posição em 2024, com 16,2 milhões de aves. A aquisição da Hillandale (18,8 milhões de aves) muda completamente o cenário. A Mantiqueira, até então maior do Brasil, aparece em 10º lugar, com 16,5 milhões. Faria agora está em outro campeonato.

Um grupo com duas frentes, uma mesma lógica

O que muita gente ainda não entendeu é que Granja Faria e Global Eggs são estruturas distintas. A Granja Faria segue como a operação nacional, verticalizada e dominante no mercado brasileiro. Já a Global Eggs é a holding internacional, com sede em Luxemburgo, governança separada, executivos próprios e um plano claro de consolidação nos mercados desenvolvidos.

Ambas são controladas por Ricardo Faria. Mas operam de forma autônoma.

Enquanto a Granja Faria segue com 25 unidades produtivas, exportações para 17 países e mais de R$1,8 bilhão de receita, a Global Eggs tem se expandido por aquisições. Primeiro na Espanha, com a Hevo. Depois nos EUA, com a Hillandale. Agora com a Legaria, também na Espanha. E outras negociações em curso.

A holding internacional recebeu, em 2024, um investimento de US$ 300 milhões do BTG Pactual, que ficou com 11% da empresa. A capitalização reforçou o plano: consolidar ativos familiares, integrar margens, operar localmente e criar uma rede global de produção — com distribuição própria e proteção cambial.

Uma tese de liderança, não de exportação

O diferencial da estratégia de Faria é que não se trata de exportar do Brasil para o mundo, mas sim produzir em cada mercado relevante com ativos locais sob controle. A Hillandale, por exemplo, dá à Global Eggs acesso direto ao consumidor americano, sem depender de barreiras alfandegárias, surtos sanitários ou gargalos logísticos. A operação espanhola faz o mesmo papel na Europa.

Com as aquisições já realizadas, a holding internacional projeta US$ 2,5 bilhões de faturamento em 2025. O número pode chegar a US$ 3 bilhões nos próximos anos, com o avanço da operação nos EUA e o plano de atingir 30% do mercado espanhol até 2030.

Mais do que volume, o grupo foca em margem, controle e previsibilidade. No Brasil, a Granja Faria se tornou referência de verticalização: controla o fornecimento de ração (com a Insolo), converte esterco em adubo (com a Fertifar), padronizou a distribuição e incorporou genética, rastreabilidade e bem-estar animal à operação.

É esse modelo, financeiramente disciplinado e operacionalmente replicável, que agora começa a ser implementado nos ativos internacionais.

A lógica por trás da Legaria

A compra da Legaria, por si só, não altera os números do ranking global. São 350 mil aves, uma operação familiar e presença regional. Mas o movimento sinaliza algo maior: Faria não está comprando apenas grandes ativos. Está construindo capilaridade, inteligência de distribuição e lastro para escalar o crescimento dentro da Europa.

O mercado espanhol vive um momento raro: consumo per capita em baixa, setor fragmentado e escassez de novos operadores dispostos a consolidar. É exatamente o cenário que a Granja Faria enfrentava no Brasil em 2018 e que transformou em vantagem.

Faria já declarou que pretende repetir a fórmula. E tem fôlego para isso.

IPO? Só com múltiplo pronto

O grupo tem estrutura e governança para um IPO. A Global Eggs já opera com sede fora do Brasil, executivos globais (o ex-CEO da Granja Faria, Denilson Dorigoni, assumiu como CEO global), auditoria estruturada e conselho formalizado.

Mas Faria suspendeu o plano e não por falta de ambição, a decisão é tática. Com os ativos ainda em integração e múltiplos de mercado deprimidos, o IPO não entregaria o valor que a operação pode alcançar com mais dois ou três anos de execução. A prioridade, por ora, é ganhar escala, capturar margem e mostrar resultado.

Se der certo, a listagem virá num outro patamar.

Um projeto de poder industrial

Enquanto outras companhias brasileiras do agronegócio operam em ciclos, exportam produtos primários e dependem de dólar, Faria está montando uma plataforma de proteína leve, com produção de alta frequência, marca própria e controle de margem.

O que está nascendo é uma companhia com cara de consumo essencial, estrutura de agroindústria e aspiração global. Um negócio que não depende de commodity, nem de China, nem de leilão público. Só de eficiência.

Com a Legaria, Faria reforça a presença na Europa. Com a Hillandale, crava posição nos EUA. Com a Granja Faria, mantém o centro de excelência no Brasil. E com os três ativos, monta a única companhia brasileira de proteína com operação própria nos três maiores mercados do mundo.

É cedo para saber até onde isso vai.

Mas já está claro onde ele chegou.