BTG, JGP e o fim da era romântica dos family offices

O que está por trás da compra da área de wealth da JGP?

A venda da área de wealth management da JGP ao BTG Pactual, anunciada nesta segunda-feira (14), não é apenas mais uma aquisição no setor de gestão de fortunas. É, sobretudo, o retrato de um mercado que abandonou a estética da exclusividade artesanal para abraçar a lógica da escala industrial.

O valor da transação não foi revelado, mas, com base no múltiplo usado na compra da operação brasileira do Julius Baer —  cerca de 1% sobre os ativos sob gestão —, estima-se que a aquisição possa ter girado em torno de R$180 milhões. A negociação vinha sendo conduzida há cerca de quatro meses, sem processo competitivo, o acordo foi direto entre os sócios da JGP e os executivos do BTG.

A movimentação também reforça o posicionamento do BTG como o principal consolidador do segmento de multifamily office (MFO) no país. Em janeiro, o banco já havia fechado a compra da operação do Julius Baer, adicionando R$61 bilhões em ativos. Agora, com os R$18 bilhões da JGP, a área de private banking e MFO do banco supera os R$120 bilhões, um salto de mais de 50% desde o início do ano. Considerando toda a operação de wealth (incluindo BTG Digital, fundos e distribuição), o banco chega a marca de R$900 bilhões.

A transação com a JGP é menor em volume, mas carrega um peso simbólico importante. Trata-se de uma das últimas operações relevante de wealth management independente no país. E, mais do que os ativos, o BTG leva os clientes, os executivos e o prestígio do nome de Jakurski, que por sua vez, vai assumir a presidência do comitê de investimentos do family office do BTG.

O fim da independência

André Jakurski

Fundada por André Jakurski, a JGP sempre foi referência no mercado brasileiro pela gestão sofisticada, atendimento personalizado e atuação técnica. Qualidades que definiram, por anos, o ideal do family office nacional. Mas esse ideal começou a se alterar diante da nova realidade do setor.

Nos últimos anos, mudanças regulatórias profundas alteraram a lógica do mercado de wealth management. O fim do diferimento fiscal em fundos exclusivos, a internacionalização das carteiras, a diversificação via previdência privada e ativos isentos criaram um ambiente que exige estrutura. Custos com compliance, governança fiduciária, integração de múltiplas custódias e times jurídicos pressionaram as margens e tornaram o modelo boutique insustentável para grande parte dos players independentes.

Foi nesse contexto que a JGP optou por se unir ao BTG. A empresa de Jakurski manterá a gestora tradicional, com cerca de R$27 bilhões em ativos distribuídos entre fundos multimercado, ações, crédito e real estate. Apesar do peso do wealth no AUM total, a margem desse segmento é muito menor do que nos fundos e, nesse sentido, o desinvestimento pode ser visto como uma escolha pragmática.

Jakurski continuará à frente da gestora, mas também assumirá o papel de chairman do comitê de investimentos da área de family office do BTG. Segundo ele, a decisão foi motivada por um “dever fiduciário com os clientes que acompanha desde 2007” e pela percepção de que a estrutura do banco permitiria acesso a soluções e produtos que uma casa independente não conseguiria mais oferecer.

Consolidação sem volta

Rogério Pessoa

Essa transformação no mercado favorece quem já tem musculatura. Em entrevista ao Brazil Journal, Rogério Pessoa, sócio responsável pela área de wealth do BTG disse, “Nos últimos anos, houve uma proliferação de family offices, mas para você ter um family office que faça sentido você precisa ter advogados, gestores, e sistemas para integrar múltiplas custódias. Tudo isso custa dinheiro, então você precisa ter escala para fechar a conta”.

Em menos de um ano, o banco comprou três grandes estruturas no setor: o Julius Baer no Brasil por R$615 milhões, com R$61 bi em ativos, a Greytown Advisors em Miami com US$1 bi sob gestão e agora a JGP Wealth (R$ 18 bi). Só a área de family office e private banking do banco já acumula mais de R$ 120 bilhões.

É uma estratégia declarada. “A gente já tem toda essa infraestrutura, então somos um candidato natural para a consolidação”, disse Rogério. Ele tem razão. Os custos de operação aumentaram. A integração de múltiplas custódias, o atendimento jurídico, a curadoria de produtos globais, tudo isso exige escala. E escala exige capital, governança, tecnologia e fôlego.

Quem veio antes (e quem vem depois)

A JGP não é um ponto fora da curva. Várias boutiques já seguiram o mesmo caminho.

A Turim, maior multifamily office independente do país, comprou a Vita Investimentos (R$ 3,5 bi) e a área de wealth da One Partners. A XP também não ficou parada, reforçou sua vertical de private banking, consolidou estruturas regionais e tem expandido sua atuação offshore. O Itaú reforçou o Itaú Private Bank com a integração de hubs globais. A própria Genial, com menos barulho, também tem buscado movimentos semelhantes.

Até mesmo gestoras de menor porte, como a Perfin e a Neo, já começaram a discutir modelos híbridos com plataformas maiores — buscando manter o “DNA de boutique” sem abrir mão da retaguarda que o novo ambiente regulatório exige.

Antes, a equação era simples: fundos exclusivos permitiam uma estrutura tributária eficiente e barata. O cliente com R$ 30 milhões montava seu fundo, escolhia gestor, alocava e via o dinheiro render, com baixo overhead. Hoje, isso mudou. Os fundos exclusivos perderam a vantagem. As carteiras agora precisam lidar com previdência, ativos isentos, offshore, governança familiar, estruturas fiduciárias, trusts e riscos jurídicos globais.

A arquitetura ficou sofisticada demais para uma boutique manter com 10 ou 20 pessoas.

O BTG, que já tinha tudo isso dentro de casa, virou o porto natural para essas operações. E, mais importante, virou a escolha aceitável. Porque, ao contrário dos bancos de varejo, o BTG preservou uma cultura de alta performance, discrição e, em muitos casos, parceria societária. É um banco que sabe como se comportar como uma gestora.

O que vem agora

O BTG, ao que tudo indica, não pretende parar. Segundo Pessoa ao, o banco já conversa com estruturas nos EUA e na Europa, com foco em atender latinos. A ideia é ser o global advisor da elite brasileira, com soluções locais e internacionais integradas.

A palavra da vez é escala e o BTG entendeu isso antes de todo mundo. Aquelas estruturas enxutas, montadas para preservar autonomia, discrição e governança própria. A nova fase exige outra musculatura: jurídica, tecnológica, fiscal e regulatória.

Ao mesmo tempo, escancara uma mudança estrutural no setor: as boutiques de wealth, que até poucos anos atrás eram vistas como refúgios de independência, agora buscam abrigo em plataformas maiores, que ofereçam tecnologia, acesso global e fôlego regulatório.

Para o BTG, é mais uma peça no quebra-cabeça de dominação do mercado de fortunas. Para a JGP, é uma saída elegante, que preserva a cultura da casa e a relação com os clientes. Para o mercado, é mais um sinal de que o tempo do atendimento artesanal está chegando ao fim.

Jakurski, que ajudou a fundar o próprio Pactual lá atrás, agora volta à casa que ajudou a construir. E fecha, com lucidez e pragmatismo, um dos últimos capítulos da era romântica dos family offices no Brasil.