Brisanet perde conexão: Como a promessa nordestina do 5G entrou em crise

SÃO PAULO — Quando José Roberto Nogueira fundou a Brisanet, no interior do Ceará, tinha uma meta ambiciosa: levar internet de alta velocidade a regiões esquecidas pelos grandes provedores nacionais. Em pouco tempo, essa visão transformou uma pequena empresa regional em uma das maiores operadoras independentes de banda larga do país. Mas o crescimento acelerado dos últimos anos, potencializado pelo avanço agressivo na tecnologia 5G, colocou a companhia em uma situação delicada. Dívida elevada, concorrência acirrada e resultados financeiros decepcionantes trouxeram nuvens pesadas sobre a empresa que, até pouco tempo atrás, era vista como a grande promessa nordestina no setor de telecomunicações.

No final de 2024, a Brisanet atingiu números expressivos em sua base de clientes: 1,45 milhão em banda larga fixa e cerca de 338 mil na operação móvel, impulsionada pelo 5G. Contudo, o crescimento não veio acompanhado por resultados financeiros sólidos. Ao contrário: o lucro líquido caiu vertiginosamente, despencando 65% em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, a dívida praticamente dobrou, aumentando a pressão sobre a estrutura financeira da companhia e levantando questionamentos sobre a estratégia adotada desde o IPO, realizado em 2021.

IPO frustrado e expectativas exageradas

Em julho de 2021, a Brisanet abriu capital na B3 com expectativas elevadíssimas. Com o mercado financeiro aquecido e o setor de tecnologia vivendo um momento de forte otimismo, as ações da operadora estrearam em alta, refletindo a crença dos investidores no potencial de crescimento acelerado da empresa no Nordeste e outras regiões até então pouco exploradas. A Brisanet captou cerca de R$ 1,25 bilhão, recursos destinados, principalmente, à expansão agressiva da infraestrutura 5G e fibra óptica.

Pouco tempo depois, porém, a realidade começou a contrastar com as promessas iniciais. A ação que estreou cotada a R$ 13,92 chegou a cair mais de 70% nos anos seguintes, frustrando investidores e abalando a credibilidade do plano de expansão. A razão principal foi o reconhecimento tardio, pelo mercado, dos enormes desafios envolvidos em expandir infraestrutura em áreas pouco rentáveis, aliada à concorrência crescente das grandes teles nacionais — Claro, TIM e Vivo — que também intensificaram investimentos no Nordeste.

O erro, segundo analistas, foi subestimar a complexidade operacional e financeira da expansão em larga escala num mercado tão competitivo. A Brisanet cresceu, mas sem gerar retorno proporcional aos enormes investimentos realizados, especialmente na implementação do 5G.

O peso do 5G na dívida

Em novembro de 2021, a Brisanet surpreendeu o mercado ao vencer diversos lotes regionais no leilão de frequências 5G promovido pela Anatel. Foi uma grande vitória simbólica para a empresa cearense, mas que acabou trazendo desafios financeiros mais pesados do que o esperado.

O investimento necessário para cumprir as obrigações assumidas com a concessão das frequências levou a dívida líquida da companhia a quase dobrar até o final de 2024, atingindo níveis preocupantes. A dívida, que girava em torno de R$748 milhões no ano anterior, saltou para quase R$1,4 bilhão em poucos trimestres, pressionada pelos elevados gastos com equipamentos, infraestrutura e cumprimento das exigências regulatórias do 5G.

Ao mesmo tempo, a receita não acompanhou o mesmo ritmo. Embora a base de clientes tenha crescido, o ticket médio caiu, pressionado pela forte concorrência e necessidade de manter preços baixos para ganhar mercado rapidamente. O resultado foi uma erosão das margens operacionais e redução acentuada da rentabilidade, o que levou o lucro a cair drasticamente.

Concorrência agressiva das grandes teles

Outro desafio relevante enfrentado pela Brisanet é a intensificação da concorrência no Nordeste. Regiões que antes eram vistas como pouco atrativas pelas grandes operadoras passaram a receber investimentos pesados da Claro, TIM e Vivo, que enxergaram a expansão da Brisanet como uma ameaça ao seu domínio nacional.

A Vivo, por exemplo, anunciou investimentos recordes em infraestrutura no Nordeste a partir de 2022, lançando pacotes agressivos de fibra óptica e 5G, oferecendo preços extremamente competitivos. A TIM também reforçou sua presença, especialmente em estados como Pernambuco, Ceará e Bahia. Já a Claro apostou na convergência entre TV paga, telefonia móvel e internet, oferecendo planos integrados com descontos agressivos para consumidores que contratassem todos os serviços.

Esses movimentos obrigaram a Brisanet a entrar em uma guerra de preços que acabou pressionando suas margens operacionais. Mesmo expandindo a base de clientes, o crescimento da receita não foi suficiente para sustentar a alta estrutura de custos necessária para competir diretamente com as gigantes do setor.

O dilema estratégico de José Roberto Nogueira

No centro dessa crise está José Roberto Nogueira, fundador da Brisanet e seu principal executivo. Nogueira é amplamente reconhecido como um empreendedor visionário, mas enfrenta agora uma realidade que pode colocar em risco tudo o que construiu até aqui. Internamente, o fundador se vê diante de um dilema estratégico profundo: recuar na expansão e preservar o caixa, ou insistir na estratégia agressiva, apostando em uma recuperação futura que ainda não deu sinais claros de viabilidade financeira.

Nogueira continua defendendo publicamente que o investimento em infraestrutura 5G trará frutos a longo prazo. Mas o mercado financeiro está impaciente. Os investidores pressionam por uma mudança rápida de estratégia que coloque a geração de caixa e a redução da dívida como prioridades imediatas.

No início de 2025, circulavam rumores sobre possíveis movimentos da empresa, incluindo venda parcial de ativos, parcerias com investidores internacionais ou até mesmo uma fusão com outras operadoras menores regionais. Nenhuma dessas opções foi confirmada até agora, mas a simples existência dessas especulações indica o grau de preocupação do mercado com o futuro financeiro da empresa.

O desafio futuro da Brisanet

Os próximos anos serão críticos para a Brisanet. O mercado já sinalizou que não tolerará indefinidamente prejuízos crescentes ou a deterioração contínua dos indicadores financeiros da empresa. A aposta no 5G e na expansão regional precisa começar a demonstrar resultados financeiros claros rapidamente.

Ao mesmo tempo, Nogueira precisará mostrar uma capacidade inédita de adaptação estratégica e disciplina operacional. As vantagens competitivas iniciais da Brisanet, como a forte presença regional e o pioneirismo no atendimento a cidades menores, precisam ser convertidas em resultados tangíveis, especialmente num cenário onde o capital ficou mais caro e menos paciente.

Caso contrário, a empresa corre o sério risco de se tornar mais um exemplo de uma expansão acelerada que falhou em equilibrar crescimento com rentabilidade, repetindo erros comuns no setor de telecomunicações, que já vitimaram tantas outras promessas nacionais.

Hoje, a grande questão em aberto é se José Roberto Nogueira conseguirá, de fato, reconectar a Brisanet à promessa inicial de sucesso, ou se a empresa será apenas mais uma operadora regional que cresceu rápido demais, investiu pesado demais, e acabou sucumbindo diante dos próprios desafios que se impôs. O mercado aguarda respostas. E o relógio não para.