Os bastidores da disputa entre ...

À medida que os lances subiam, a disputa se tornava cada vez mais acirrada. O preço final chegou a impressionantes R$ 7,05 bilhões, quase quatro vezes o valor mínimo estipulado pelo governo. Foi a maior privatização de um banco estadual no Brasil e uma das maiores aquisições do setor financeiro da época.
O resultado do leilão consolidou o Santander como um dos maiores players do sistema bancário brasileiro. Para muitos, foi uma jogada ousada do grupo espanhol, que pagou um prêmio altíssimo pela aquisição. Mas para o banco, o Banespa não era apenas uma instituição financeira – era uma plataforma estratégica para expandir suas operações no país.
Embora o Banespa estivesse há anos em dificuldades financeiras, sua estrutura ainda fazia dele um ativo cobiçado. O banco era uma peça-chave no sistema bancário, com ativos estratégicos que garantiam seu valor para qualquer comprador disposto a modernizar sua operação.
Um dos principais atrativos era sua rede de agências. O Banespa possuía mais de 1.000 agências espalhadas pelo país, sendo a maior parte delas no estado de São Paulo, o maior centro econômico do Brasil. Esse domínio regional dava ao banco uma vantagem competitiva significativa, pois a proximidade com clientes empresariais e pessoas físicas significava uma forte base de depósitos e negócios.
Outro fator crucial era sua carteira de clientes, que incluía milhões de correntistas, desde cidadãos comuns até grandes empresas. Mas o maior trunfo do banco era sua relação com o funcionalismo público estadual. O Banespa era o banco responsável pela folha de pagamento dos servidores do estado de São Paulo, garantindo uma fonte estável e previsível de receita, além de acesso privilegiado a um público que dificilmente migraria para outro banco voluntariamente.
No segmento empresarial, o Banespa também era um nome forte. Suas relações históricas com grandes empresas paulistas e órgãos governamentais garantiam um fluxo constante de transações financeiras e concessões de crédito. Para um comprador estrangeiro, como o Santander, esse portfólio era extremamente valioso para acelerar sua penetração no mercado brasileiro.
Além da base de clientes e da infraestrutura, havia outro ponto crucial: o potencial de modernização. O Banespa ainda operava com sistemas antigos e uma estrutura engessada pelo controle estatal. Com investimentos em tecnologia e uma gestão mais eficiente, era possível aumentar rapidamente a rentabilidade do banco. Para o Santander, essa era uma oportunidade de transformar um banco tradicional e burocrático em uma máquina de crescimento acelerado.
Se do lado financeiro o leilão foi um sucesso, do ponto de vista político e social, a venda do Banespa foi alvo de críticas e resistência. Desde o momento em que o governo federal anunciou a privatização, sindicatos, políticos da oposição e movimentos sociais organizaram protestos contra a venda.
A maior crítica vinha do argumento de que o Banespa não precisava ser privatizado. Para os opositores, o saneamento financeiro promovido pelo governo já havia estabilizado o banco, tornando possível sua continuidade como uma instituição pública. Além disso, o preço de venda foi questionado, pois críticos apontavam que o governo havia investido bilhões no resgate do banco antes de vendê-lo a um grupo estrangeiro.
Sindicatos bancários lideraram greves e manifestações, alegando que a privatização resultaria em demissões em massa. A presença de um comprador estrangeiro apenas aumentou as tensões, pois havia um sentimento nacionalista de que um patrimônio brasileiro estava sendo entregue ao capital internacional.
No campo político, o então governador de São Paulo, Mário Covas, era um defensor da venda, argumentando que manter o Banespa sob controle do estado seria um peso para as contas públicas. Já a oposição, principalmente ligada ao PT, criticava a decisão como um erro estratégico que beneficiava apenas o mercado financeiro.
Mesmo após a concretização da venda, a resistência continuou. Funcionários do Banespa lutaram para garantir estabilidade no emprego e condições melhores na transição para o novo dono. Embora algumas promessas tenham sido feitas, nos anos seguintes houve reestruturações e cortes de postos de trabalho, alimentando ainda mais o debate sobre os efeitos sociais da privatização.
Com a aquisição do Banespa consolidada, o Santander iniciou um processo agressivo de modernização e integração da instituição. O objetivo era transformar o banco estadual, que ainda operava com estruturas ultrapassadas, em uma operação mais eficiente e lucrativa. Para isso, o grupo espanhol destinou R$ 1,5 bilhão em investimentos nos primeiros anos para atualizar sistemas, redesenhar processos e alinhar a gestão do Banespa ao modelo global do Santander.
A primeira grande transformação veio no setor tecnológico. O Banespa ainda utilizava sistemas legados que dificultavam a integração com as plataformas modernas do Santander. Para resolver esse problema, o banco espanhol implementou uma nova plataforma digital de atendimento, integrando a base de clientes ao seu sistema global.
Esse movimento permitiu a digitalização de serviços e a expansão do internet banking, que cresceu rapidamente. Em 2002, apenas 5% das transações do Banespa eram feitas online. Três anos depois, esse número saltou para mais de 30%, reduzindo a dependência do atendimento presencial e aumentando a eficiência operacional. O tempo médio de processamento de operações foi reduzido em mais de 50%, segundo relatórios internos do banco.
Outro movimento estratégico foi a redução da estrutura física. No momento da privatização, o Banespa contava com mais de 1.030 agências, sendo quase 900 apenas no estado de São Paulo. Com a modernização dos serviços e a migração para canais digitais, o Santander iniciou um processo de reestruturação, que envolveu o fechamento ou fusão de aproximadamente 300 agências entre 2001 e 2005.
Essa decisão gerou protestos e resistência dos funcionários, mas foi justificada pelo banco como uma necessidade para aumentar a rentabilidade e reduzir custos operacionais. Os cortes ajudaram a otimizar despesas administrativas e tornaram a operação mais ágil. Em 2001, a relação custo-receita do Banespa era de 55%, um número considerado alto para os padrões do Santander. Após a reestruturação, esse índice caiu para 43% em 2006, refletindo um ganho expressivo de eficiência.
A mudança de marca foi um dos desafios mais sensíveis para o Santander. O nome Banespa era uma instituição consolidada no imaginário paulista, e uma transição abrupta poderia gerar resistência entre os clientes. Para minimizar esse impacto, o Santander adotou uma estratégia gradual de rebranding.
Nos primeiros anos, a marca Banespa foi mantida em conjunto com o nome Santander, aparecendo como “Banespa – Grupo Santander” nos materiais de comunicação e nas fachadas das agências. Somente em 2005, cinco anos após a privatização, o nome Banespa foi oficialmente aposentado, e todas as unidades passaram a operar exclusivamente como Santander.
Essa mudança não impactou apenas a identidade visual, mas também o modelo de negócios. Antes da privatização, o Banespa tinha uma base de 2,5 milhões de correntistas ativos. Em 2004, já sob controle total do Santander, esse número ultrapassava 4,2 milhões, um crescimento de mais de 65%. Grande parte desse aumento veio da migração de clientes dos bancos estaduais e da ampliação da oferta de produtos financeiros, como cartões de crédito, seguros e investimentos.
A privatização do Banespa foi um marco na trajetória do Santander no Brasil, mas não foi seu único movimento de expansão. A aquisição consolidou o banco espanhol entre os cinco maiores bancos privados do país, mas ele ainda buscava crescer.
Os números mostram que a aposta deu certo. Em 2000, ano da compra do Banespa, o Santander Brasil tinha um lucro líquido de R$ 220 milhões. Em 2005, esse número já superava R$ 1,4 bilhão, um aumento de mais de 500% em cinco anos. O crescimento foi impulsionado pela modernização do Banespa e pelo aumento da carteira de clientes.
Com o sucesso da operação, o Santander avançou ainda mais no mercado brasileiro. Em 2007, o banco comprou o Banco Real por R$ 47 bilhões, consolidando sua presença no país e tornando-se, definitivamente, um dos gigantes do sistema bancário brasileiro.