A Nova Passada da 3G

Por que a 3G decidiu enfrentar Nike e Adidas no setor mais competitivo do consumo global?

NOVA YORK – A 3G Capital voltou a puxar o talão de cheques depois de três anos sem um M&A. Ontem, o fundo fechou acordo para comprar 100 % da americana Skechers por US$ 9,4 bilhões . A operação marca o retorno do trio a um velho instinto: comprar marcas com base fiel, redes globais e margem para crescer com eficiência, especialmente quando o mercado subestima o ativo.

A Skechers é a terceira maior empresa de calçados esportivos do planeta, com 100 milhões de pares vendidos por ano, só está atrás de Nike e Adidas. A transação, aprovada por unanimidade pelo conselho da companhia, inclui uma oferta de US$63 por ação — um prêmio de 30% sobre o valor de tela — ou uma alternativa mista de US$57 mais uma participação na nova empresa fechada que será criada para controlar o grupo.

O movimento causou alvoroço em Wall Street. As ações da americana dispararam mais de 20% logo após o anúncio, refletindo tanto a surpresa do mercado quanto a expectativa de que os brasileiros aplicarão o mesmo playbook que consagrou o trio em outras operações: cortar custos, turbinar margem, acelerar distribuição global e, eventualmente, abrir capital com um valuation mais gordo.

O Jogo Começa com Roger Federer

A entrada da 3G no setor de calçados começou antes, de forma mais discreta, longe de Wall Street. Em 2018, Marc Lemann, filho de Jorge Paulo, morava na Suíça quando um dos fundadores da On Running colocou sua fatia à venda. A marca ainda era pequena, mas chamava atenção pelo design, tecnologia e potencial de crescimento fora do eixo Nike-Adidas.

Marc trouxe o negócio para a Point Break, o veículo de investimentos da família, o anúncio foi feito sob um valuation modesto, estimado em algumas dezenas de milhões de dólares. Pouco depois, apresentou Roger Federer aos fundadores. O suíço virou sócio, embaixador e ajudou a desenhar uma linha própria, a Roger Pro. A On ganhou escala e prestígio e em 2021, abriu capital na Bolsa de Nova York avaliada em mais de US$ 9 bilhões.

Hoje, os principais acionistas incluem Carlos Alberto Sicupira, com 6,9%, e Marc Lemann, com 6,2%. Juntos, os dois controlam uma fatia de quase US$2 bilhões, e têm assento no conselho da empresa — representados por Alex Perez, sócio de longa data do grupo.

Skechers: Uma Porta para o Mass Market

Se a On representa tecnologia, design e um público de alta renda, a Skechers é a antítese complementar: vende mais de 100 milhões de pares por ano, com foco em preço acessível, grande escala e forte presença no varejo físico dos Estados Unidos.

Fundada em 1992 por Robert Greenberg, a Skechers construiu seu negócio na base do volume. Patrocinou atletas, investiu pesado em marketing de TV e soube ocupar o espaço entre a Nike e os genéricos. Com presença global e fábricas na China e no Vietnã, virou a terceira maior fabricante de calçados do mundo, com receita de US$8 bilhões em 2024 e margem bruta de 49%.

O principal trunfo: uma rede de distribuição consolidada, com mais de 5.300 lojas e penetração massiva nos EUA. Mas o que parece vantagem virou vulnerabilidade. A dependência da Ásia e a guerra tarifária com a China impuseram desafios à margem, à previsibilidade de custos e à confiança dos investidores.

O próprio CEO da empresa, Michael Greenberg, filho do fundador, retirou o guidance de lucros em abril de 2025, citando “ameaças existenciais” provocadas pelas tarifas americanas. Internamente, a Skechers já havia alertado que o custo dos produtos poderia dobrar, colocando pressão no ticket médio. Foi nesse contexto que a 3G viu oportunidade.

O Valor Está no Timing

A compra da Skechers ocorre no exato momento em que o mercado penalizava a empresa por motivos externos, e não por deterioração operacional. Mesmo com os desafios, a companhia havia registrado vendas recordes no primeiro trimestre de 2025, superando Nike e Adidas em volume em alguns mercados. O valuation, porém, havia caído para pouco mais de US$ 7 bilhões, patamar considerado “barato” para uma marca com mais de US$ 600 milhões de lucro líquido anual.

Ao privatizar a companhia, a 3G elimina a pressão trimestral de resultados, ganha liberdade para reestruturar a operação e pode usar sua expertise em arbitragem de eficiência para destravar valor. Internamente, o fundo projeta cortar entre 10% e 15% dos custos operacionais nos primeiros dois anos, com foco em logística, gestão de estoques e renegociação de contratos.

O upside está claro: se a margem EBITDA da Skechers, hoje em torno de 12%, subir para o patamar de 17% — como em outras investidas da 3G — a geração de caixa anual pode ultrapassar US$1,2 bilhão, abrindo caminho para um re-IPO em 2028, possivelmente com valuation entre US$ 15 e US$ 18 bilhões

Riscos e Incertezas

Apesar do entusiasmo do mercado, a operação carrega riscos. O maior deles é geopolítico: cerca de 60% dos produtos da Skechers são fabricados na Ásia, principalmente China e Vietnã. Qualquer agravamento nas tensões entre EUA e China pode impactar diretamente os custos, logística e margens da companhia.

Além disso, o modelo tradicional da Skechers — calcado em lojas físicas e volume de pares — vai na contramão das tendências de consumo digital. A empresa investe pouco em canais diretos e depende de grandes varejistas, o que limita o controle de pricing e fidelização de clientes. Corrigir isso exigirá investimento, tecnologia e uma guinada cultural — tarefa que a 3G nem sempre enfrentou bem em empresas que exigiam inovação constante.

Por fim, há o desafio da sucessão. Robert Greenberg e seu filho Michael continuarão na gestão no curto prazo, mas a 3G tende a trazer executivos próprios nos próximos trimestres. A integração cultural entre uma empresa familiar americana e um fundo de controle brasileiro não será trivial.