A História da Itaúsa: A Maior Holding de Capital Aberto do Brasil

Como os herdeiros do Itaú construíram uma máquina de perpetuar capital?

Em família: Olavo Setubal com os filhos, em 2003 (em pé, a partir da esq.): José Luiz, Alfredo, Paulo, Olavo Júnior, Roberto, Ricardo e Maria Alice 

Se o sobrenome Moreira Salles evoca tradição e discrição no comando do Itaú Unibanco, os Souza Aranha, Setubal e Villela representam a face mais visível e executiva da elite bancária brasileira. Mais pragmáticos e com uma atuação empresarial estruturada em torno de uma holding de capital aberto: a Itaúsa.

A história da holding é, em grande medida, a história de como essas famílias transformaram um banco regional em uma potência global e, depois, criaram uma plataforma institucionalizada para perpetuar o patrimônio e a influência. Diferente da Brasil Warrant, dos Moreira Salles, uma holding fechada, os fundadores da Itaúsa optaram pela vitrine da B3: abriram capital, profissionalizaram a gestão e usaram a governança como ferramenta de expansão.

Controladora histórica do Itaú Unibanco, maior banco privado do país, com 37% das ações, a Itaúsa ampliou sua aumentou para além do setor financeiro. De calçados a infraestrutura, de energia a saneamento, a holding construiu um portfólio diversificado e resiliente. Com um valor de mercado de R$110 bilhões, é uma das mais maiores da América Latina.

Uma linhagem entre o café, o poder e os bancos

Olavo Egydio Setubal

O embrião da Itaúsa remonta ao interior paulista do século XIX, em meio à fortuna cafeeira Egydio José de Souza Aranha, barão do café e um dos homens mais ricos do estado de São Paulo na virada do século. Seu neto, Alfredo Egydio de Souza Aranha, seria o responsável por transferir esse poder rural para o sistema financeiro. Em 1943, fundou o Banco Federal de Crédito — que, anos mais tarde, seria assumido por seu sobrinho, Olavo Setubal.

Olavo era formado em engenharia pelo Mackenzie e casado com Matilde de Lacerda Azevedo, Olavo foi o grande responsável pela profissionalização do banco e pela construção de um império financeiro. Com passagem pela Prefeitura de São Paulo, onde foi prefeito nos anos 1970, trouxe ao setor bancário uma racionalidade técnica e uma visão de longo prazo que contrastavam com o improviso comum na elite empresarial da época.

Foi sob sua liderança que o banco passou por uma onda de aquisições: Banco da América, Banco Aliança, Banerj e, em 2008, a joia da coroa: a fusão com Unibanco, então controlado pela família Moreira Salles

Os filhos de Olavo — Alfredo e Roberto Setubal herdaram a gestão dos negócios e mantiveram a tradição de comando direto nos rumos da instituição. Mas com a separação entre o banco e a holding, foi a Itaúsa que se tornou, de fato, a casa da família.

O Nascimento da Itaúsa

A empresa que hoje conhecemos como Itaúsa nasceu em maio de 1966, com um nome bem diferente: Banco Federal Itaú de Investimentos S.A. Mas sua criação foi menos um movimento financeiro e mais uma decisão de arquitetura de poder. Àquela altura, o Banco Itaú já era uma máquina em expansão, mas também era uma empresa familiar, com o controle dividido entre três ramos.

Era um problema clássico da elite empresarial brasileira, uma organização moderna operando sob uma estrutura de governança personalista e informal. Com a multiplicação de herdeiros, a abertura de novas áreas de negócios e a entrada em outros setores do sistema financeiro, surgia o risco da desorganização societária.

Onde terminava o banco e começava a família? Quem decidia o que era distribuição e o que era reinvestimento? Como evitar disputas que pudessem comprometer décadas de construção?

A resposta foi criar um veículo jurídico que unificasse o controle sem depender da figura de um único patriarca. Um mecanismo de coesão, blindagem e perenidade. Assim nasceu o embrião da Itaúsa — ainda com roupagem de banco de investimentos, mas já concebido como uma holding.

Sua função era dar forma jurídica a algo que já existia nos bastidores, uma aliança acionária entre as 3 famílias, com o objetivo de manter o controle do banco sob coordenação única, estável e longe de disputas internas.

Os Primeiros Passos como Holding

A Deca fundada por Olavo Setubal, tradicional fabricante de louças e metais sanitários, já fazia parte da carteira desde os primeiros anos — e funcionava como um experimento da holding em negócios reais, com ativos físicos e presença industrial. Mas a primeira grande movimentação viria quase uma década depois.

Em 1975, o ainda Banco Federal Itaú de Investimentos comprou uma participação na Elekeiroz, uma das maiores fabricantes de produtos químicos industriais do Brasil. Com sede em Várzea Paulista, no interior de São Paulo, a Elekeiroz produzia insumos para a indústria de plásticos, tintas e fertilizantes, setores considerados centrais para a industrialização do país.

Dois anos mais tarde, em 1977, veio outro movimento simbólico: a abertura de capital. A holding realizou seu IPO na Bolsa de Valores de São Paulo, adotando o nome Banco Itaú Investimentos S.A. e passando a negociar suas ações no mercado. Para um grupo familiar, foi uma decisão ousada — e pouco comum para a época. A listagem servia tanto como um selo de institucionalização quanto como ferramenta de capitalização para os novos investimentos industriais.

Em 1979, no auge da corrida tecnológica e da informatização bancária, a Itaúsa criou a Itautec, marcando sua primeira incursão no setor de tecnologia. A empresa nasceu para desenvolver soluções nacionais de hardware e software que servissem, em primeiro lugar, ao próprio Itaú.

A fundação da Itautec respondia a dois vetores estratégicos. O primeiro era interno, o Banco Itaú precisava automatizar suas operações com agilidade, o segundo era geopolítico, o governo federal havia lançado a chamada “Política Nacional de Informática”, impondo barreiras à importação de tecnologia e incentivando a criação de fabricantes nacionais.

A Itautec começou produzindo terminais de autoatendimento bancário e rapidamente se tornou uma das maiores fornecedoras de ATMs e computadores corporativos do país. Chegou a disputar mercado com nomes como IBM e Hewlett-Packard (HP) e exportou tecnologia para mercados emergentes, sobretudo na América Latina.

O sucesso da operação levou a sua abertura de capital em novembro de 1985, a Itautec estreou na bolsa em meio a uma das maiores euforias já vistas no mercado brasileiro. A demanda superou expectativas, e os papéis — precificados pelo método do preço fixo — dispararam no primeiro pregão, quase dobrando de valor.

Analistas apontam que a combinação de um mercado imaturo com o otimismo em relação ao setor fez a ação sair barata e voar. A correção veio depois, mas não anulou a valorização. Ficou a lição: a empresa poderia ter captado muito mais. Por um bom período a Itautec, ocupou o posto de maior empresa de tecnologia brasileira listada em bolsa.

Oficialmente Itaúsa

Em 1991, o processo de institucionalização chegou a seu marco mais simbólico, a mudança definitiva do nome para Itaúsa – Investimentos Itaú S.A. Essa troca selou oficialmente a transição de uma estrutura familiar para uma holding com ambição institucional. A essa altura, o grupo já operava com governança própria, controlava ativos industriais relevantes e acumulava dividendos recorrentes do banco.

A década seguinte foi marcada por avanço silencioso. Comedida em exposição e precisa na alocação de capital, a Itaúsa usou os anos 1990 para testar modelos e amadurecer sua lógica de operação. A Elekeiroz se consolidou na indústria química, a Deca virou uma das principais fornecedoras do setor de construção e a Itautec ocupava posição relevante em tecnologia bancária, tudo sem grandes aquisições ou anúncios, mas com margem, presença e controle.

Esse foi o ciclo pré-expansão. A Itaúsa ainda não era uma investidora agressiva — mas era previsível, bem posicionada e lucrativa. A fase seguinte em 2008.

A Virada

Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles

A fusão entre Itaú e Unibanco, em 2008, marcou o início de um novo momento para a Itaúsa. Com o controle do maior banco privado do país, a holding passou a contar com um fluxo de dividendos ainda mais robusto, o que lhe permitiu aumentar a ambição de seus movimentos no mercado.

Na prática, a Itaúsa passou a operar como uma plataforma de alocação de capital de longo prazo. Deixou de ser apenas um braço patrimonial das famílias controladoras e assumiu, de vez, o papel de investidora ativa em negócios reais, com foco em setores perenes, margens previsíveis e baixa volatilidade. A estratégia era usar o dinheiro de um banco maduro para construir uma carteira industrial moderna e resiliente.

Reorganização e desinvestimentos

O primeiro passo foi arrumar a casa. Nos anos seguintes à fusão, a Itaúsa iniciou um processo criterioso de reavaliação do portfólio. Em 2015, a Deca foi repassada à Duratex, controlada pelo mesmo grupo, dentro de uma reorganização societária. Em 2018, foi a vez de vender sua participação na Elekeiroz. E, em 2019, encerrou a operação da Itautec, que vinha sofrendo com a perda de mercado e a competição com multinacionais.

Esses movimentos sinalizavam uma mudança de perfil. A Itaúsa deixava para trás seu papel de holding industrial clássica — focada em operações verticalizadas — para se posicionar como uma gestora de participações em empresas maduras, com ativos reais, boa governança e potencial de geração de caixa.

O novo portfólio

A partir de 2017, a Itaúsa passou a investir em novos setores. Comprou 30% da Alpargatas, entrando no setor de consumo por meio de uma das marcas mais icônicas do Brasil: a Havaianas. A operação, de R$3,5 bilhões, foi feita em parceria com os Moreira Salles, por meio da Cambuhy Investimentos e da Brasil Warrant. Juntas, as três casas adquiriram os 54,24% que pertenciam à J&F Investimentos. A Itaúsa ficou com 30% do capital total, dividindo o controle com os antigos sócios de Itaú. Além da participação de 38% da Dexco, antiga Duratex, reforçando sua presença no mercado de materiais de construção e bens duráveis.

A holding também fez grandes movimentos no setor de infraestrutura. Em 2020, a Itaúsa entrou na Copagaz, comprando 49% de participação por R$1,2 bilhão. No mesmo ano, comprou 9% da NTS, uma das maiores redes privadas de gasodutos do país. Em 2021, comprou 13% da Aegea, por cerca de R$1,06 bilhão, a empresa é líder privada em saneamento no Brasil.

Mais recentemente, a holding passou a construir posição na CCR, gigante do setor de concessões rodoviárias, para ter cerca 10% do capital ela investiu R$2,9 bilhões.

Governança, disciplina e caixa

Mesmo com a diversificação, a Itaúsa manteve sua disciplina: controle da alavancagem, foco em dividendos e presença ativa nos conselhos das empresas investidas. A holding não busca maioria do capital, mas influencia a gestão. É o modelo do “acionista institucional de longo prazo”.

Em 2024, registrou lucro líquido de R$ 14,1 bilhões (+21% que no ano anterior), impulsionado pelos dividendos do Itaú Unibanco e pela recuperação parcial da Alpargatas. O valor de mercado da Itaúsa gira hoje em torno de R$110 bilhões — dos quais cerca de 80% ainda refletem sua fatia no Itaú.

Cerca de 65% do lucro é distribuído aos acionistas sob a forma de dividendos e juros sobre capital próprio. Os outros 35% são reinvestidos, seja para fortalecer o caixa, seja para novas aquisições. É uma concentração que pesa, mas também garante estabilidade. Enquanto o banco entrega retorno sobre patrimônio acima de 20% ao ano, a holding segue como destino natural para investidores que buscam renda, governança sólida e uma exposição indireta a setores estratégicos do Brasil.

O papel das famílias

Internamente, a Itaúsa continua sendo o centro nervoso dos Setubal e Villela. Alfredo Setubal, neto de Olavo, é hoje o CEO da holding e também preside o conselho da Alpargatas. A gestão é profissionalizada, mas o controle permanece firme: os acordos entre os ramos familiares ainda garantem cerca de 60% do capital votante.

Diferente da Brasil Warrant, dos Moreira Salles, a Itaúsa é uma holding pública com alma familiar — e funciona. Tem governança de mercado, mas preserva a coesão dos controladores. Tem disciplina financeira, mas não deixou de ser ambiciosa. E, sobretudo, construiu uma reputação de longo prazo rara no capitalismo brasileiro.

Hoje, ao completar quase seis décadas de existência, a Itaúsa talvez represente o caso mais bem-sucedido de institucionalização familiar do país. E segue fazendo o que foi criada para fazer: blindar, perpetuar e multiplicar. Com método, com margem e sem barulho.