A Comcast de Brian Roberts e a Arte de Comprar Tudo

FILADÉLFIA — Em 1963, Ralph Roberts comprou uma pequena operadora de TV a cabo no Mississipi por US$500 mil. Sessenta anos depois, seu filho Brian Roberts transformou essa empresa na Comcast, o segundo maior conglomerado de mídia e telecomunicações dos Estados Unidos, com um faturamento anual superior a US$120 bilhões, é a segunda maior companhia de radiodifusão e TV a Cabo do mundo em termos de lucro, a maior fornecedora de acesso a internet e a terceira maior companhia de telefone dos Estados Unidos.

A Comcast não apenas domina o mercado de TV a cabo, rádio e banda larga nos EUA, mas também controla um dos maiores grupos de mídia do mundo, a NBCUniversal, dona de canais como NBC, CNBC, MSNBC, estúdios de cinema da Universal Pictures, parques temáticos e o serviço de streaming Peacock.

Seu crescimento veio através de aquisições bilionárias, disputas acirradas com concorrentes e uma série de tentativas frustradas de fusões. Brian Roberts enfrentou processos antitruste, mudanças tecnológicas e a ascensão do streaming, forçando a Comcast a se reinventar continuamente.

Esta é a história de como um jovem herdeiro assumiu o comando de uma empresa familiar e a transformou na maior potência do setor de telecomunicações e entretenimento nos Estados Unidos.

As Raízes da Comcast: De TV Comunitária ao Domínio da Banda Larga

Quando Ralph Roberts comprou a American Cable Systems em 1963, por US$500 mil dólares, o mercado de TV a cabo ainda engatinhava. Na época, a televisão nos Estados Unidos era dominada pelas três grandes emissoras abertas — NBC, ABC e CBS — cujos sinais eram transmitidos por torres e captados por antenas domésticas. Esse modelo funcionava bem nas grandes cidades, mas em áreas montanhosas ou afastadas, o sinal chegava fraco ou simplesmente não chegava. Foi nesse vácuo que surgiu a TV a cabo, um sistema de retransmissão que captava os sinais das emissoras em locais elevados e os distribuía via cabos físicos para assinantes que não conseguiam assistir à programação convencional.

A aposta de Roberts, um empresário do varejo sem experiência no setor de telecomunicações, parecia modesta: a aquisição de uma pequena operadora de TV a cabo em Tupelo, Mississippi. Mas o potencial era grande. A American Cable Systems começou a crescer rapidamente, expandindo suas redes em outras cidades pequenas e se beneficiando da crescente demanda por acesso confiável à televisão.

Ralph Roberts

Durante os anos 1970, a empresa mudou seu nome para Comcast Corporation e adotou uma estratégia agressiva de aquisições. O setor era extremamente fragmentado, composto por centenas de pequenas operadoras locais. Roberts viu nisso uma oportunidade de se posicionar com um grande player nesse mercado em expansão antes que gigantes como AT&T percebessem seu valor.

Entre 1972 e 1989, a Comcast expandiu sua base de assinantes de 5 mil para 1 milhão, investindo pesadamente na compra de operadoras regionais. Foi durante essa fase que a empresa também começou a diversificar seus negócios, investindo em programação própria e expandindo sua infraestrutura de rede.

No entanto, o grande salto viria com a entrada de Brian Roberts na presidência, no início dos anos 1990.

O Plano para Dominar o Mercado

Ralph Roberts e Brian Roberts

Brian Roberts cresceu dentro da Comcast. Seu pai, Ralph, nunca escondeu o desejo de que o filho assumisse os negócios, mas a sucessão não foi imediata. Antes de assumir o comando, Brian passou anos aprendendo os detalhes do setor e provando sua capacidade dentro da empresa.

Formado pela Wharton School, ele ingressou oficialmente na Comcast em 1981, quando tinha apenas 22 anos. Começou na base, trabalhando em diversas áreas da companhia, desde operações técnicas até negociações. Durante os anos 1980, ajudou a estruturar muitas aquisições e ficou conhecido pela habilidade de fechar negócios vantajosos sem chamar atenção da concorrência.

A transição para a presidência veio em 1990, quando a Comcast já era uma das 10 maiores operadoras de TV a cabo dos EUA, mas ainda estava longe das gigantes do setor. O mercado estava prestes a entrar em uma nova era, com a digitalização da transmissão e o crescimento acelerado da demanda por serviços de telecomunicação. A missão de Brian era transformar a Comcast de uma operadora regional em um império nacional, capaz de disputar com os grandes conglomerados de mídia e telecomunicações.

Brian Roberts trouxe uma abordagem mais agressiva do que a de seu pai. Em vez de focar apenas na compra de pequenas operadoras, ele passou a mirar aquisições bilionárias e a diversificação dos negócios. Em 1995, a Comcast deu seu primeiro grande salto ao comprar uma participação majoritária na QVC, uma rede de vendas pela TV, por US$2 bilhões (em 2003, vendeu sua participação por US$7,9 bilhões, para a Liberty Media de John Malone). Quatro anos depois, comprou a Jones Intercable por US$3 bilhões. Essas aquisições elevaram a base de assinantes de 4 milhões em 1994, para 8,2 milhões em 2000.

Mas o grande divisor de águas viria em 2001, quando a Comcast venceu uma acirrada disputa pela AT&T Broadband, a divisão de TV a cabo da gigante AT&T. A negociação foi um marco na história da empresa, com uma proposta de US$47,5 bilhões, Brian Roberts conseguiu superar concorrentes como AOL e Time Warner e transformar a Comcast na maior operadora de TV a cabo dos Estados Unidos.

A transação foi estruturada como uma fusão, na qual a Comcast emitiu aproximadamente 1,235 bilhão de novas ações, avaliadas em cerca de US$47 bilhões, para os acionistas da AT&T. Além disso, a Comcast assumiu aproximadamente US$25 bilhões em dívidas e outras obrigações da AT&T Broadband, totalizando um valor de transação de US$ 72 bilhões. Isso permitiu que a Comcast dobrasse de tamanho sem precisar levantar capital em dinheiro

Com essa aquisição, a empresa mais que dobrou de tamanho, expandindo sua base para mais de 22 milhões de assinantes e se tornando uma gigante da telecomunicação. Era o primeiro grande passo para que a Comcast deixasse de ser apenas uma distribuidora de conteúdo e passasse a ser também uma produtora e controladora de mídia.

A partir daí, Brian Roberts continuaria sua estratégia de crescimento, adquirindo ativos estratégicos, enfrentando concorrentes de peso e, eventualmente, transformando a Comcast em um império que se estende da internet à produção cinematográfica.

A Entrada no Entretenimento com a Compra da NBCUniversal

Se dominar a distribuição de conteúdo era essencial, controlar a produção de conteúdo era ainda mais estratégico. E a Comcast sabia disso.

Desde o final dos anos 1990, Brian Roberts observava de perto como conglomerados de mídia estavam consolidando seus negócios, integrando distribuição e produção de conteúdo em uma estratégia verticalizada. A fusão da Time Warner com a AOL, em 2000, e o fortalecimento da Disney como um império de entretenimento foram sinais de que o futuro da indústria dependeria não apenas da infraestrutura de telecomunicações, mas também da propriedade intelectual e da produção de conteúdo original.

A Comcast já havia tentado entrar nesse mercado antes. Em 2004, fez uma oferta hostil de US$66 bilhões para comprar a Disney, mas a proposta foi rejeitada. A tentativa fracassada, no entanto, deixou claro que Brian Roberts não abriria mão de firmar a Comcast como um player de mídia completo. Cinco anos depois, surgiu uma nova oportunidade — desta vez, com um alvo diferente.

A Oportunidade na Crise

Em 2009, em meio à crise financeira global, a General Electric (GE) enfrentava dificuldades. Com uma carteira de negócios que ia de motores a jato a eletrodomésticos, a gigante industrial também controlava a NBCUniversal. No entanto, com a recessão afetando seus resultados e a necessidade urgente de reforçar seu caixa, a GE começou a considerar a venda de sua participação na NBCUniversal.

A Comcast enxergou uma oportunidade. Enquanto seus concorrentes lutavam para se manter estáveis durante a crise, Brian viu a possibilidade de comprar um ativo valioso por um preço reduzido. As negociações começaram ainda em 2009 e, no final do ano, a Comcast anunciou um acordo para adquirir 51% da NBCUniversal por US$6 bilhões, assumindo o controle da empresa. A transação foi estruturada em parceria com a GE, que manteve os 49% restantes.

O negócio levou mais de um ano para ser aprovado pelas autoridades regulatórias, dado o potencial impacto sobre a concorrência no setor de mídia e telecomunicações. Em 2011, a Comcast recebeu a aprovação final e passou a operar a NBCUniversal, ampliando seu domínio para além da distribuição de conteúdo.

Mas Brian Roberts não queria apenas metade da empresa — seu objetivo era o controle total. Assim, em 2013, a Comcast concluiu a aquisição dos 49% restantes da NBCUniversal por US$ 16,7 bilhões, tornando-se dona absoluta de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo. O pagamento foi feito em dinheiro, financiado em grande parte pelo forte fluxo de caixa da Comcast e por novas emissões de dívida. A transação elevou o endividamento da empresa, mas consolidou sua posição como um dos maiores impérios de mídia e entretenimento do planeta.

O Que Veio com a NBCUniversal?

A aquisição trouxe para a Comcast um portfólio de ativos estratégicos. A NBCUniversal era proprietária de alguns dos canais de televisão mais influentes dos Estados Unidos, incluindo:

NBC – uma das três grandes redes de TV aberta do país, com uma história que remonta a 1926 e um dos principais players no mercado publicitário.

CNBC – o principal canal de notícias financeiras dos EUA, rival da Bloomberg TV.

MSNBC – uma rede de notícias e opinião que se tornou uma das maiores concorrentes da Fox News e CNN.

USA Network e Bravo – canais de entretenimento de grande audiência na TV a cabo.

Telemundo – uma das principais redes de TV voltadas ao público hispânico nos EUA.

Além disso, a compra incluiu a Universal Pictures, um dos maiores estúdios de cinema de Hollywood. A Universal era responsável por algumas das franquias mais lucrativas da indústria, como Velozes e Furiosos, Jurassic Park, Minions e Meu Malvado Favorito. A Comcast agora tinha acesso direto ao mercado de filmes, com potencial para explorar novos formatos de distribuição e monetização.

Outro grande ativo adquirido foram os parques temáticos da Universal, incluindo os complexos em Orlando e Hollywood, nos Estados Unidos, e a expansão global com parques no Japão e Singapura. Esses parques, que haviam sido um negócio secundário dentro da GE, se tornaram uma parte vital da Comcast, especialmente à medida que a experiência imersiva do entretenimento crescia em importância.

Essa movimentação colocou a Comcast no mesmo patamar de gigantes como Disney e WarnerMedia, consolidando sua presença tanto na distribuição quanto na produção de conteúdo.

A Expansão Internacional: A Tentativa de Compra da Sky

Com o sucesso da integração da NBCUniversal, Brian voltou sua atenção para a expansão internacional da Comcast. Até então, a empresa era dominante no mercado norte-americano, mas tinha uma presença discreta fora dos Estados Unidos. A solução? Comprar a Sky, uma das maiores operadoras de TV paga da Europa, presente no Reino Unido, Alemanha, Itália e outros mercados estratégicos.

A disputa pela Sky foi intensa. Em 2018, a Comcast entrou em um leilão bilionário contra a 21st Century Fox, então controlada por Rupert Murdoch, que já possuía uma fatia da Sky e queria assumir o controle total. Mas a Comcast venceu a disputa com uma proposta final de US$40 bilhões.

A Sky trouxe para a Comcast 23 milhões de assinantes na Europa e fortaleceu sua presença no setor de telecomunicações fora dos EUA. Além da TV por assinatura, a empresa britânica possuía um serviço de streaming robusto, o Now TV, além de uma operação consolidada no mercado de esportes, com direitos de transmissão da Premier League e da Fórmula 1.

A compra ajudou a Comcast a reduzir sua dependência do mercado norte-americano e diversificar suas receitas, especialmente em um momento de transformação na indústria, com a TV por assinatura tradicional enfrentando quedas de assinantes devido ao crescimento dos serviços de streaming.

A Frustrada Tentativa de Comprar a Time Warner Cable

O apetite da Comcast por aquisições parecia não ter fim. Em 2014, Brian Roberts tentou fechar um dos maiores negócios do setor ao propor a compra da Time Warner Cable (TWC), uma das principais concorrentes da Comcast no mercado de TV a cabo dos Estados Unidos. O acordo, avaliado em US$ 45,2 bilhões, a fusão criaria uma gigante sem precedentes na televisão e banda larga, controlando quase 40% do mercado de TV a cabo nos EUA e 50% da banda larga fixa.

No entanto, o negócio encontrou forte resistência regulatória. Órgãos como a Federal Communications Commission (FCC) e o Departamento de Justiça dos EUA indicaram preocupações antitruste, temendo que a Comcast tivesse poder excessivo sobre os provedores de internet e a distribuição de conteúdo.

Diante da pressão, a Comcast desistiu da aquisição em 2015, evitando um longo e desgastante processo judicial. Foi uma rara derrota para Brian Roberts, mas serviu como um alerta de que o crescimento via aquisições poderia ter limites.

O Desafio do Streaming e o Peacock

Se durante décadas a Comcast dominou o setor de TV a cabo e banda larga, a chegada dos serviços de streaming mudou completamente o jogo. Netflix, Amazon Prime Video e Disney+ passaram a crescer rapidamente, reduzindo a base de assinantes das operadoras tradicionais. A Comcast sabia que precisava reagir para não ficar para trás.

A resposta foi o lançamento do Peacock, serviço de streaming da NBCUniversal, em 2020. Diferente dos concorrentes, o Peacock adotou um modelo híbrido: oferecia uma versão gratuita com anúncios e planos pagos com mais conteúdo e sem propagandas. A aposta era que a publicidade poderia financiar parte dos custos e evitar a dependência exclusiva das assinaturas, um modelo que vinha pressionando gigantes como Netflix.

O Peacock foi lançado com um catálogo robusto, incluindo séries como The Office, Parks and Recreation e conteúdos da Universal Pictures. Além disso, investiu fortemente em esportes ao vivo, incluindo a transmissão de eventos da Premier League, das Olimpíadas e da NFL.

Apesar da estratégia inovadora, o crescimento do serviço foi mais lento do que o esperado. Em 2023, o Peacock possuía 30 milhões de assinantes ativos, um número relevante, mas ainda distante dos líderes do setor, a Netflix conta com 230 milhões e a Disney+ cerca de 150 milhões. A Comcast precisou aumentar os investimentos na plataforma e expandir sua presença internacional para torná-lo competitivo no longo prazo.

O desafio do streaming mostrou que, mesmo para um gigante consolidado como a Comcast, o mercado de mídia continuava em transformação e exigia adaptação constante.

O Império de Brian Roberts Hoje

Após décadas de aquisições estratégicas e disputas acirradas, a Comcast domina o setor de banda larga e TV a cabo nos Estados Unidos, tem forte presença no entretenimento global com a NBCUniversal e a Sky, e ainda busca seu espaço no mercado de streaming com o Peacock.

Os números são impressionantes. Em 2023, a Comcast registrou um faturamento de US$121,6 bilhões, mantendo-se como uma das empresas mais lucrativas do setor. Seu lucro líquido foi de US$15 bilhões, impulsionado pelo crescimento da divisão de internet e pelos estúdios da Universal, que continuam produzindo sucessos de bilheteria. A empresa também possui uma das maiores bases de assinantes de banda larga do mundo, com 32 milhões de clientes nos Estados Unidos, além de 15,5 milhões de assinantes de TV a cabo.

No setor de mídia, a Comcast continua sendo uma das gigantes, disputando espaço com Disney, Warner Bros. Discovery e Netflix. A NBCUniversal, que foi um dos maiores acertos da companhia, faturou US$39 bilhões em 2023, com destaque para a força da rede de TV aberta NBC, o canal de notícias CNBC e o estúdio Universal Pictures. Os parques temáticos da Universal também se tornaram um dos negócios mais lucrativos da empresa, gerando receita recorde de US$8,5 bilhões no último ano.

A Sky, comprada por US$ 40 bilhões em 2018, continua sendo um dos principais ativos da Comcast fora dos Estados Unidos, operando em mercados estratégicos da Europa e gerando uma receita anual de US$ 17 bilhões.

No entanto, apesar da força no mercado tradicional de telecomunicações e entretenimento, o futuro da Comcast não está livre de desafios. O modelo de TV a cabo está em declínio, com milhões de clientes cancelando suas assinaturas a cada ano em favor do streaming. O Peacock, principal aposta da empresa nesse segmento, ainda não atingiu o mesmo nível de competitividade de gigantes como Netflix e Disney+, embora já conte com 30 milhões de assinantes ativos.