O Maior Turnaround Químico da B3

Como Frank Geyer Abubakir transformou a Unipar em uma máquina de geração de caixa

Frank Geyer Abubakir

SÃO PAULO Em março de 2013, poucos analistas prestaram atenção ao anúncio discreto que cruzou os sistemas da B3: a Unipar Carbocloro, uma companhia até então esquecida pela maioria dos investidores, comprava a participação de 50% que a americana Occidental Petroleum ainda detinha na Carbocloro por R$550 milhões. Para a maioria, parecia apenas mais um movimento de consolidação em um setor de baixo glamour. Para Frank Geyer Abubakir, no entanto, era o primeiro passo para construir um dos maiores e mais bem-sucedidos turnarounds da década na bolsa brasileira.

Naquele momento, a Unipar era vista como ‘patinho feio’ da bolsa. Sem um core business claro, ela operava no limite, endividada, desorganizada e desvalorizada, valia apenas R$215 milhões. Suas ações haviam despencado quase 90% nos cinco anos anteriores e a dívida líquida superava os R$200 milhões. A companhia fechou o ano de 2012 com cerca de R$350 milhões em receitas anuais e um lucro de R$10 milhões.

Dez anos depois, a fotografia já era outra: em 2023, a Unipar chegou a valer R$10 bilhões — quase 60 vezes mais —, faturou R$13 bilhões no ano e entregou lucros líquidos superiores a R$1,3 bilhão. Um salto impressionante, fruto de uma reestruturação paciente, disciplinada e quase invisível ao mercado.

A Origem da Unipar e o Vazio Estratégico

A história da Unipar começa décadas antes. Fundada no fim dos anos 1960 no ABC Paulista, a União de Indústrias Petroquímicas S.A. nasceu como braço de investimentos da elite industrial paulista no recém-criado setor petroquímico brasileiro. Em um movimento coordenado entre iniciativa privada e governo federal, a companhia foi estruturada para participar do projeto de industrialização pesada do país, num modelo de “tripé” que reunia capital estatal, privado nacional e estrangeiro.

Composição acionário Petroquímica União, 2002

Durante as décadas seguintes, a Unipar expandiu cresceu por meio de aquisições, com posições em empresas como a Petroquímica União, uma das primeiras produtoras de eteno do Brasil, a Carbocloro, referência em cloro e soda cáustica e diversas participações em cadeias petroquímicas integradas.

No início dos anos 2000, a Unipar parecia uma aposta sólida para investidores que buscavam exposição ao ciclo de crescimento das commodities. O setor petroquímico ganhava tração com o aumento da demanda global por plásticos, fertilizantes e derivados de petróleo, e a companhia figurava entre as maiores do país no segmento.

Mas a formação da Braskem em um consórcio articulado entre Odebrecht e Petrobras, com apoio decisivo do BNDES mudou a dinâmica do setor. Com escala muito superior e acesso facilitado a matéria-prima da Petrobras, a Braskem rapidamente se tornou o grande player nacional, aumentando a pressão competitiva sobre seus concorrentes.

Em resposta, a Unipar liderou a criação da Quattor Participações em 2008 — um conglomerado que reunia os ativos petroquímicos da própria Unipar (como a Petroquímica União, Polietilenos União, Polipropileno União e Rio Polímeros) com participação minoritária da Petrobras. A Quattor tornou-se, na época, o segundo maior grupo petroquímico do Brasil, com capacidade produtiva de mais de 2 milhões de toneladas por ano de resinas plásticas e faturamento de cerca de R$10 bilhões anuais.

A operação parecia uma resposta, mas a Quattor nasceu em meio à crise financeira global de 2008, num ambiente de crédito restrito e demanda internacional em retração. Além disso, enfrentava uma competição desigual: sem acesso aos mesmos subsídios e condições comerciais que beneficiavam a Braskem, o grupo acumulava dificuldades financeiras.

Pressionada por uma estrutura de capital fragilizada, pela necessidade urgente de investimentos em modernização e pela articulação política favorável à formação de um “campeão nacional” do setor. Sob liderança da Braskem e aval da Petrobras a Unipar foi levada a negociar a venda de sua participação.

Em janeiro de 2010, a transação foi concluída: a Braskem adquiriu o controle da Quattor em um movimento que consolidou sua liderança absoluta no mercado brasileiro. À Unipar, restou um cheque de cerca de R$650 milhões e um portfólio drasticamente reduzido, sua principal operação passou a ser a participação de 50% na Carbocloro, com uma fábrica integrada de cloro-soda em Cubatão (SP), além de pouco mais de R$1 bilhão em ativos líquidos.

Sem um core business claro, sem escala para competir em petroquímicos e sem estratégia definida, a Unipar entrou na década de 2010 como um ativo marginalizado — vista pelo mercado como uma sobrevivente sem rumo num setor cada vez mais concentrado.

Foi nesse cenário que Frank Geyer Abubakir emergiu como a figura central para redesenhar o futuro da companhia. Bisneto de Alberto Soares de Sampaio, um dos pioneiros da indústria petroquímica nacional, e neto de Paulo Geyer, Frank havia crescido em meio às disputas de poder e às sucessões empresariais que marcaram a história da Unipar. Em 2005, assumiu o comando do bloco de controle familiar, estruturado por meio da holding Vila Velha S.A. Em 2008 teve sua primeira experiência em reestruturações como a da seguradora Securitas União, vendida em 2008 após turnaround liderado por ele.

O Primeiro Movimento: Reconstruir o Núcleo da Companhia

Quando assumiu o comando de fato da Unipar, Frank sabia que para reconstruir a companhia e precisava encontrar um núcleo de operação que fosse rentável, previsível e capaz de gerar caixa para financiar sua sobrevivência — e, depois, sua expansão.

A oportunidade veio da própria estrutura da Carbocloro. Desde a sua fundação, a operação era dividida meio a meio com a Occidental Petroleum, gigante americana do setor químico e de energia. Mas, após anos de joint venture, a Occidental mostrou interesse em sair da operação brasileira, oferecendo sua parte com um valuation extremamente atrativo — cerca de 4x o EBITDA.

O que parecia uma jogada defensiva se revelou uma jogada de mestre. O setor de cloro-soda, apesar de pouco glamouroso, tinha características únicas: demanda relativamente inelástica, ligada a tratamento de água, saneamento e construção civil; proteção cambial natural via exportação; e possibilidades de integração vertical com geração de energia, o maior custo variável do processo. Mais do que isso, o segmento estava em linha com uma tendência que Frank já enxergava no horizonte: a necessidade crescente de universalização do saneamento no Brasil e na América Latina, o que impulsionaria a demanda por soda cáustica e hipoclorito.

A partir da consolidação do controle da Carbocloro, a reestruturação foi cirúrgica. Frank reduziu drasticamente a estrutura de custos da companhia, implementou auditorias com firmas do Big Four, modernizou práticas de governança e reorganizou o conselho de administração com membros independentes. O objetivo era profissionalizar a gestão, eliminar heranças da cultura estatal que ainda permeavam a companhia e preparar a Unipar para operar como uma holding industrial eficiente.

A Expansão: Solvay Indupa e a Nova Escala

Solvay Indupa

O segundo grande movimento veio em 2016, quando a Unipar aproveitou uma oportunidade rara: a venda da Solvay Indupa, braço latino-americano do grupo belga Solvay, que operava no Brasil e na Argentina com produção de PVC e soda cáustica.

Fundada na década de 1940, a Indupa era uma das principais produtoras de PVC da América do Sul, com plantas em Santo André (SP) e Bahía Blanca, na Argentina. Mas enfrentava dificuldades, pressionada por um ambiente regulatório hostil na Argentina, margens apertadas e necessidade de investimentos pesados em modernização, a matriz belga decidiu descontinuar a operação e focar em mercados mais rentáveis.

A venda foi concluída por US$202 milhões, um valor considerado baixo em relação à capacidade instalada dos ativos. A compra elevou a capacidade de PVC da Unipar de cerca de 300 kt para mais de 550 kt/ano e a de cloro-soda de 460 kt para 770 kt, um salto de quase 80 %. Além da escala, a companhia conquistava algo ainda mais importante, uma exposição cambial natural, com parte relevante das receitas da operação argentina dolarizada, funcionando como um hedge contra a volatilidade econômica brasileira.

A aquisição também fez a Unipar sair de uma produtora regional de cloro-soda concentrada em Cubatão, a uma companhia com presença internacional, acesso a novos mercados e um perfil industrial diversificado em duas moedas.

Enquanto fortalecia a base de ativos, Frank atacava o principal gargalo de custos do setor: a energia elétrica. A produção de cloro-soda é intensiva em consumo de energia, o que tornava a companhia vulnerável aos preços spot do mercado livre. Para mitigar esse risco, a Unipar iniciou uma estratégia dupla: firmou contratos de longo prazo (PPAs) com geradores de energia renovável, como no projeto eólico Tucano III, e investiu na autoprodução, com projetos de cogeração nas plantas de Cubatão e Santo André.

O impacto foi direto no balanço. Em 2016, a Unipar ainda comprava mais de 80% da energia no mercado. Em 2025, esse número vai cair para menos de 40%. Mais de 60% do consumo já é abastecido por fontes próprias ou contratos de custo fixo, garantindo margens mais estáveis e protegendo a companhia dos choques de preços que historicamente penalizavam o setor.

A Virada nos Números

O impacto dessas medidas logo ficou evidente nos números. Em 2013, a Unipar tinha uma dívida líquida equivalente a 2,3x o seu EBITDA. Em 2018, essa relação havia sido invertida: a empresa registrava caixa líquido e distribuía dividendos generosos aos acionistas. Entre 2016 e 2024, as ações da Unipar valorizaram mais de 2.000%.

A geração de caixa impressionava: em 2022, a companhia registrou lucro líquido de R$1,3 bilhão, com Ebitda de R$2,6 bilhões. Mesmo em anos de ciclo desfavorável, como 2023, a empresa manteve ROE acima de 33%, consolidando sua reputação como um dos melhores cases de eficiência operacional da bolsa.

Internamente, a sucessão também foi planejada com disciplina. Em 2020, Frank deixou a presidência executiva e assumiu o posto de chairman do conselho, nomeando Maurício Russomanno, executivo com passagens pela Dow, para o cargo de CEO. A ideia era preservar a cultura de disciplina financeira e execução operacional que havia sido construída ao longo da última década.

Em 2024, a receita da companhia sofreu uma retração, reflexo do ciclo de baixa das commodities químicas. Ainda assim, a empresa manteve margens operacionais sólidas, fluxo de caixa positivo e fechou o ano com alavancagem líquida negativa — uma posição que poucas concorrentes globais conseguiram preservar diante do novo cenário macroeconômico.

A força da nova Unipar ficou ainda mais evidente em julho de 2023, quando a companhia apresentou uma proposta não vinculante para adquirir o controle da Braskem. A proposta de R$10 bilhões era para comprar a parte da Novonor (antiga Odebrecht) de 34% na Braskem. A oferta não foi aceita, mas mostrou que a companhia antes tida como marginalizada voltou ao centro do jogo petroquímico nacional e em condições de liderar o setor.

Hoje, Frank Geyer Abubakir controla cerca de 60% das ações ordinárias da Unipar, via Vila Velha S.A., mantendo o controle absoluto da estratégia sem a presença de sócios estatais ou investidores descoordenados. Seu patrimônio, estimado em mais de US$1,2 bilhão, é quase totalmente concentrado na Unipar — uma aposta pessoal que materializa sua visão de longo prazo.

O legado do turnaround é inegável. Em pouco mais de dez anos, a Unipar saiu de uma companhia órfã de um negócio principal para se tornar a líder sul-americana em produção de cloro-soda e PVC, com rating de crédito AA+(bra) e uma estrutura de capital robusta, admirada tanto por acionistas quanto por agências de risco.